DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

isonomia tributária, benefícios fiscais e privilégio odioso

Isonomia tributária, benefícios fiscais e privilégio odioso
          Velocino Pacheco Filho

          “Todos são iguais perante a lei”, dispõe o art. 5º da Constituição Federal. O art. 150, II, mais explicitamente, veda “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”. Já o art. 37 impõe à Administração Pública que deve tratar todos os administrados da mesma forma, sem favoritismos nem perseguições (princípio da impessoalidade): todos são iguais perante a Administração.
          Esclarece Celso A. Bandeira de Mello que o princípio da igualdade não proíbe a discriminação, apenas obriga que o tratamento diferenciado tenha relação com a desigualdade já existente entre os administrados: “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada”.
          Ora, o Anexo 6 do Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina dispõe que: “Nos casos em que as peculiaridades da organização do contribuinte possam suprir plenamente as exigências fiscais e nos casos em que a modalidade das operações realizadas impossibilite o cumprimento de obrigação tributária acessória, poder-se-á adotar regime especial que concilie os interesses do fisco com os do contribuinte”. Esse regime especial, no entanto, restringe-se às obrigações tributárias acessórias (prestações positivas ou negativas, previstas no interesse da fiscalização e arrecadação de tributos) e tem por objetivo conciliar os interesses do fisco com os do contribuinte. Trata-se da aplicação às obrigações tributárias acessórias dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não significa favorecimento de um contribuinte em detrimento dos demais.
          Situação muito diferente é a do regime especial, concedido individualmente, que dispense ou reduza obrigação tributária principal (a obrigação de recolher o tributo). É o caso, por exemplo, do crédito presumido previsto no art. 15, XXIII, do Anexo 2 do RICMS-SC, que, conforme § 22 do mesmo artigo, depende de regime especial concedido pelo Secretário de Estado da Fazenda, que “dentre outras condições, poderá limitar o montante do crédito presumido a ser utilizado em cada período de apuração”.
          O que justifica o benefício fiscal ser concedido, caso a caso, mediante regime especial? Porque não pode o mesmo benefício ser dado a todos os que satisfaçam as mesmas condições? Porque o Secretário da Fazenda teria o poder discricionário de graduar o benefício, estabelecendo diferenças tributárias entre contribuintes?
          Regimes especiais como este não são compatíveis com a limitação ao poder de tributar a que se refere o art. 150, II, da Constituição, porque representam o exercício de um poder arbitrário pelo titular da pasta da Fazenda. Regimes como este são ilegais, inconstitucionais e também imorais.
          O já mencionado art. 37 da Constituição, além da impessoalidade, consagra o princípio da moralidade administrativa (os atos administrativos, além de legais, devem ser morais). A moralidade administrativa não é compatível com a instituição de tratamento tributário individualizado, a critério do titular da pasta da Fazenda. Ele abre caminho para a negociata, para a troca de favores, para o peculato ou para a prevaricação.
          Regimes especiais como este correspondem na sua integralidade ao chamado “privilégio odioso” que Ricardo Lobo Torres define como a “permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os contribuintes ou receba como alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais”. O privilégio odioso, prossegue o mesmo autor, “implica sempre discriminação contra o contribuinte excluído do privilégio, que vai suportar a carga tributária do beneficiário do tratamento favorecido”.

          Qualquer regime especial que envolva obrigação tributária principal é suspeito. Qualquer beneficio fiscal dado a apenas um contribuinte e que não seja extensível aos demais contribuintes é imoral. Regimes especiais dessa natureza são incompatíveis com a Constituição da República e deveriam ser eliminados da legislação tributária.

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