Isonomia
tributária, benefícios fiscais e privilégio odioso
Velocino
Pacheco Filho
“Todos são iguais perante a lei”,
dispõe o art. 5º da Constituição Federal. O art. 150, II, mais explicitamente,
veda “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente”. Já o art. 37 impõe à Administração Pública que deve tratar todos
os administrados da mesma forma, sem favoritismos nem perseguições (princípio
da impessoalidade): todos são iguais perante a Administração.
Esclarece Celso A. Bandeira de Mello
que o princípio da igualdade não proíbe a discriminação, apenas obriga que o
tratamento diferenciado tenha relação com a desigualdade já existente entre os
administrados: “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em
critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à
vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico
construído em função da desigualdade afirmada”.
Ora, o Anexo 6 do Regulamento do ICMS
do Estado de Santa Catarina dispõe que: “Nos
casos em que as peculiaridades da organização do contribuinte possam suprir
plenamente as exigências fiscais e nos casos em que a modalidade das operações
realizadas impossibilite o cumprimento de obrigação tributária acessória,
poder-se-á adotar regime especial que concilie os interesses do fisco
com os do contribuinte”. Esse regime especial, no entanto, restringe-se às
obrigações tributárias acessórias (prestações positivas ou negativas, previstas
no interesse da fiscalização e arrecadação de tributos) e tem por objetivo
conciliar os interesses do fisco com os do contribuinte. Trata-se da aplicação
às obrigações tributárias acessórias dos critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Não significa favorecimento de um contribuinte em detrimento
dos demais.
Situação
muito diferente é a do regime especial, concedido individualmente, que dispense
ou reduza obrigação tributária principal (a obrigação de recolher o tributo). É
o caso, por exemplo, do crédito presumido previsto no art. 15, XXIII, do Anexo
2 do RICMS-SC, que, conforme § 22 do mesmo artigo, depende de regime especial
concedido pelo Secretário de Estado da Fazenda, que “dentre outras
condições, poderá limitar o montante do crédito presumido a ser utilizado em
cada período de apuração”.
O que justifica o benefício fiscal ser
concedido, caso a caso, mediante regime especial? Porque não pode o mesmo
benefício ser dado a todos os que satisfaçam as mesmas condições? Porque o
Secretário da Fazenda teria o poder discricionário de graduar o benefício,
estabelecendo diferenças tributárias entre contribuintes?
Regimes especiais como este não são
compatíveis com a limitação ao poder de tributar a que se refere o art. 150,
II, da Constituição, porque representam o exercício de um poder arbitrário pelo
titular da pasta da Fazenda. Regimes como este são ilegais, inconstitucionais e
também imorais.
O já mencionado art. 37 da
Constituição, além da impessoalidade, consagra o princípio da moralidade
administrativa (os atos administrativos, além de legais, devem ser morais). A
moralidade administrativa não é compatível com a instituição de tratamento
tributário individualizado, a critério do titular da pasta da Fazenda. Ele abre
caminho para a negociata, para a troca de favores, para o peculato ou para a
prevaricação.
Regimes especiais como este
correspondem na sua integralidade ao chamado “privilégio odioso” que Ricardo
Lobo Torres define como a “permissão, destituída de razoabilidade, para que
alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os
contribuintes ou receba como alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais”.
O privilégio odioso, prossegue o mesmo autor, “implica sempre discriminação
contra o contribuinte excluído do privilégio, que vai suportar a carga tributária
do beneficiário do tratamento favorecido”.
Qualquer regime especial que envolva
obrigação tributária principal é suspeito. Qualquer beneficio fiscal dado a
apenas um contribuinte e que não seja extensível aos demais contribuintes é
imoral. Regimes especiais dessa natureza são incompatíveis com a Constituição
da República e deveriam ser eliminados da legislação tributária.
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