Minerva
e os tribunais administrativos
Velocino
Pacheco Filho
Um dos mais famosos
casos submetidos ao Aerópago, o célebre tribunal de Atenas, foi o de Orestes,
acusado de ter matado sua mão Clitemnestra. A sessão, presidida pela própria
deusa Atena (Minerva para os romanos), resultou em empate que a deusa resolveu
a favor do réu.
O chamado voto de
Minerva, pois, não se confunde com o “voto de desempate”. Enquanto o voto de
desempate pode ser a favor ou contra o acusado, o voto de Minerva desempata
sempre a favor do acusado.
Nos tribunais
administrativos tributários, o voto de presidente é meramente um voto de
desempate ou constitui efetivamente voto de Minerva? O voto de desempate pode
ser a favor ou contra o acusado, conforme a convicção pessoal do presidente.
Mas, no caso do voto de Minerva, o presidente é obrigado a desempatar a favor
do acusado, seja qual for a sua convicção pessoal. Trata-se do conhecido
aforismo “in dubio pro réu”. No caso, a dúvida não é do presidente, mas do
tribunal, evidenciada pela ocorrência de empate.
Uma orientação sobre o
tema, encontramos no art. 112 do Código Tributário Nacional o qual dispõe que a
lei tributária que define infrações ou lhes comina penalidades interpreta-se da
maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto (i) à capitulação
legal do fato; (ii) à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à
natureza ou extensão dos seus efeitos; (iii) à autoria, imputabilidade ou
punibilidade e (iv) à natureza da penalidade aplicável ou à sua graduação.
Assim, ao menos no que
se refere a penalidades, o voto do presidente deve ser voto de Minerva e não
simplesmente voto de qualidade. A dúvida fica caracterizada se metade dos
membros do tribunal manifestar-se favoravelmente ao acusado. Nesse caso, o
presidente, seguindo o exemplo dado por Minerva (que, não sem razão, é a deusa
patrona da sabedoria), deve desempatar a favor do acusado. Conforme magistério
de Luciano Amaro:
“De qualquer modo, o
princípio in dubio pro réu, que
informa o preceito codificado, tem uma aplicação ampla: qualquer que seja a
dúvida, sobre a interpretação da lei punitiva ou sobre a valoração dos fatos
concretos efetivamente ocorridos, a solução há de ser a mais favorável ao
acusado”
Apesar de caber ao
contribuinte inaugurar o contencioso tributário administrativo, ele não é o autor,
mas o acusado. A interposição de reclamação pelo sujeito passivo nada mais é
que a contestação do crédito tributário contra ele constituído (exigência de
ofício do tributo pela Fazenda Pública). É direito do contribuinte, impugnar o
crédito tributário junto à própria Administração Tributária. Com efeito, o art.
5º, XXXIV, “a”, da Constituição da República, assegura o direito de petição aos
Poderes Públicos “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de
poder”. O contencioso administrativo tributário consiste, pois, em um controle
da legalidade dos atos da Administração.
O processo
administrativo tributário não se confunde com o processo judiciário sobre a
mesma matéria. Enquanto no processo judiciário estamos diante do exercício da
tutela jurisdicional do Estado – acusador e acusado discutem a lide perante um
terceiro neutro (o juiz) –, o processo administrativo existe em benefício do
cidadão-contribuinte. Com efeito, no processo administrativo, as perguntas que
devem ser respondidas são: (i) o crédito tributário exigido pela Administração
é devido? (ii) algum direito do cidadão-contribuinte foi violado ou preterido?
(iii) a Administração agiu com abuso de poder na constituição do crédito
tributário?
O processo
administrativo tributário insere-se na autotutela da Administração ou “o poder
que tem a Administração de rever os próprios atos, para corrigir ou anular os
ilegais, bem como revogar os inoportunos ou inconvenientes, sem necessidade de
recorrer ao Poder Judiciário” (Maria Sulvia Zanella Di Pietro). Nesse sentido,
o Supremo Tribunal (Sumula 473) reconhece que “a administração pode anular os
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque
deles não se originam direitos”.
A doutrina distingue
entre interesse público primário e interesse público secundário. O interesse
primário é a realização do ordenamento jurídico. Por isso que o interesse
secundário (a arrecadação) não pode prevalecer sobre o interesse primário. Ensina
Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional):
“.. na relação
tributária o Estado, além do interesse público
primário que lhe cumpre defender, tem o interesse público secundário, ou
interesse como pessoa jurídica titular imediato do erário para o qual os
contribuintes recolhem tributos.
Esse interesse público
secundário em certas situações mostra-se mais forte do que o interesse público
primário. Confunde-se até com o interesse dos governantes. Por isso não pode o
contribuinte prescindir dos princípios fundamentais destinados a protegê-lo
contra os abusos da autoridade”.
O empate caracteriza a
dúvida do tribunal: o empate significa que ao menos metade dos membros do
tribunal entendeu improcedente o crédito tributário constituído e deram razão
ao impugnante. Como a deusa Minerva que, diante do empate, deu razão a Orestes,
o presidente do tribunal deve proceder da mesma forma.
Estava pesquisando esse assunto e encontrei seu texto. Brilhante conclusão. Meus parabéns!
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