DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

min

Minerva e os tribunais administrativos
          Velocino Pacheco Filho

Um dos mais famosos casos submetidos ao Aerópago, o célebre tribunal de Atenas, foi o de Orestes, acusado de ter matado sua mão Clitemnestra. A sessão, presidida pela própria deusa Atena (Minerva para os romanos), resultou em empate que a deusa resolveu a favor do réu.
O chamado voto de Minerva, pois, não se confunde com o “voto de desempate”. Enquanto o voto de desempate pode ser a favor ou contra o acusado, o voto de Minerva desempata sempre a favor do acusado.
Nos tribunais administrativos tributários, o voto de presidente é meramente um voto de desempate ou constitui efetivamente voto de Minerva? O voto de desempate pode ser a favor ou contra o acusado, conforme a convicção pessoal do presidente. Mas, no caso do voto de Minerva, o presidente é obrigado a desempatar a favor do acusado, seja qual for a sua convicção pessoal. Trata-se do conhecido aforismo “in dubio pro réu”. No caso, a dúvida não é do presidente, mas do tribunal, evidenciada pela ocorrência de empate.
Uma orientação sobre o tema, encontramos no art. 112 do Código Tributário Nacional o qual dispõe que a lei tributária que define infrações ou lhes comina penalidades interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto (i) à capitulação legal do fato; (ii) à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; (iii) à autoria, imputabilidade ou punibilidade e (iv) à natureza da penalidade aplicável ou à sua graduação.
Assim, ao menos no que se refere a penalidades, o voto do presidente deve ser voto de Minerva e não simplesmente voto de qualidade. A dúvida fica caracterizada se metade dos membros do tribunal manifestar-se favoravelmente ao acusado. Nesse caso, o presidente, seguindo o exemplo dado por Minerva (que, não sem razão, é a deusa patrona da sabedoria), deve desempatar a favor do acusado. Conforme magistério de Luciano Amaro:
“De qualquer modo, o princípio in dubio pro réu, que informa o preceito codificado, tem uma aplicação ampla: qualquer que seja a dúvida, sobre a interpretação da lei punitiva ou sobre a valoração dos fatos concretos efetivamente ocorridos, a solução há de ser a mais favorável ao acusado”
Apesar de caber ao contribuinte inaugurar o contencioso tributário administrativo, ele não é o autor, mas o acusado. A interposição de reclamação pelo sujeito passivo nada mais é que a contestação do crédito tributário contra ele constituído (exigência de ofício do tributo pela Fazenda Pública). É direito do contribuinte, impugnar o crédito tributário junto à própria Administração Tributária. Com efeito, o art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição da República, assegura o direito de petição aos Poderes Públicos “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. O contencioso administrativo tributário consiste, pois, em um controle da legalidade dos atos da Administração.
O processo administrativo tributário não se confunde com o processo judiciário sobre a mesma matéria. Enquanto no processo judiciário estamos diante do exercício da tutela jurisdicional do Estado – acusador e acusado discutem a lide perante um terceiro neutro (o juiz) –, o processo administrativo existe em benefício do cidadão-contribuinte. Com efeito, no processo administrativo, as perguntas que devem ser respondidas são: (i) o crédito tributário exigido pela Administração é devido? (ii) algum direito do cidadão-contribuinte foi violado ou preterido? (iii) a Administração agiu com abuso de poder na constituição do crédito tributário?
O processo administrativo tributário insere-se na autotutela da Administração ou “o poder que tem a Administração de rever os próprios atos, para corrigir ou anular os ilegais, bem como revogar os inoportunos ou inconvenientes, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário” (Maria Sulvia Zanella Di Pietro). Nesse sentido, o Supremo Tribunal (Sumula 473) reconhece que “a administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos”.
A doutrina distingue entre interesse público primário e interesse público secundário. O interesse primário é a realização do ordenamento jurídico. Por isso que o interesse secundário (a arrecadação) não pode prevalecer sobre o interesse primário. Ensina Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional):
“.. na relação tributária o Estado, além do interesse público  primário que lhe cumpre defender, tem o interesse público secundário, ou interesse como pessoa jurídica titular imediato do erário para o qual os contribuintes recolhem  tributos.
Esse interesse público secundário em certas situações mostra-se mais forte do que o interesse público primário. Confunde-se até com o interesse dos governantes. Por isso não pode o contribuinte prescindir dos princípios fundamentais destinados a protegê-lo contra os abusos da autoridade”.

O empate caracteriza a dúvida do tribunal: o empate significa que ao menos metade dos membros do tribunal entendeu improcedente o crédito tributário constituído e deram razão ao impugnante. Como a deusa Minerva que, diante do empate, deu razão a Orestes, o presidente do tribunal deve proceder da mesma forma. 

Um comentário:

  1. Estava pesquisando esse assunto e encontrei seu texto. Brilhante conclusão. Meus parabéns!

    ResponderExcluir