Efeito de confisco e eficácia das
multas fiscais
Velocino Pacheco Filho
Muito se tem discutido se o
princípio da vedação ao efeito de confisco, previsto no art. 150, IV, da
Constituição Federal, aplica-se às multas. Trabalho recente de Balthazar &
Machado faz referência a “diagnóstico precipitado” da doutrina, o que tem
acarretado “conceitos superficiais e desprovidos de substrato jurídico”.
Mas, afinal, o que é confisco?
Entende-se como tal o ato do Estado de apossar-se dos bens de um particular (no
todo ou em parte). Segundo Antônio Roberto Sampaio Dória, seria “a absorção da
propriedade particular, pelo Estado, sem justa indenização”. O confisco,
normalmente, é a conseqüência de crime ou contravenção, como, no campo
tributário, é a aplicação da pena de perdimento, nos casos de contrabando ou
descaminho. Ainda conforme Balthazar & Machado, “o confisco constitui
modalidade de penalidade que (como todas) deve conter uma previsão jurídica”.
Parece claro que o tributo não
pode ser confiscatório, pois, segundo a definição contida no art. 3º do CTN, o
tributo “não constitui sanção de ato ilícito”.
Mas, quanto ao “efeito de
confisco” o que seria? Por suposto, confisco e “efeito de confisco” não se
confundem. Para caracterizar o confisco, o bem deve passar do patrimônio do
particular para o patrimônio do Estado. Já no efeito de confisco, esse
requisito não seria necessário para sua caracterização.
Entende-se que há efeito de
confisco quando a norma tributária representa um obstáculo ao exercício de um
direito fundamental, como no caso do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII)
ou da garantia do mínimo vital (CF, art. 1º, III). A proibição ao uso do
tributo com efeito de confisco, portanto, impõe um limite ao poder de tributar
que o Estado não pode ultrapassar, representado pelos direitos que a
Constituição garante ao cidadão. Desse ponto o Estado não pode passar.
Para a caracterização do
confisco, devem ser fixados critérios objetivos para cada tributo
separadamente. Uma alíquota que pode ser considerada confiscatória, no caso dos
impostos sobre a propriedade, pode não o ser nos impostos sobre o consumo. Já
nos impostos de vocação extra fiscal, como o IPI, pode-se admitir alíquotas
superiores a 100%.
Mas qual seria o conteúdo do
“efeito de confisco” no caso das multas tributárias? É da natureza das multas ter
caráter confiscatório. “Em havendo penalidade tipificada, deixa-se de falar em
efeito de confisco do tributo, mas sim em critérios de mensuração da
penalidade” (Balthazar & Machado). Com efeito, o art. 5º, XLVI, b, da
Constituição Federal, prevê a perda de bens, entre as penas que a lei pode
adotar.
A Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança 29.302 GO
(2009) decidiu que não configura confisco “a aplicação de multa de 100% sobre o
débito de IPVA, visto que a alíquota deste imposto, incidente sobre o valor
venal do veículo, atinge parcela pouco expressiva do bem”. Quer dizer que,
apesar da multa ser de 100% do valor do imposto, ela não ameaça o exercício do
direito de propriedade.
Conforme Sampaio Dória (Direito
Constitucional Tributário e Due Processo
of Law) o direito de propriedade “se subordina ao poder de tributar” e o que
distingue o imposto constitucional de um gravame confiscatório “é mera
diferença de grau”.
Já o Supremo Tribunal Federal, no
Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 523.471, em que foi relator o Min.
Joaquim Barbosa (2010), depois de afirmar que “o princípio da vedação ao efeito
de confisco aplica-se às multas”, decidiu o seguinte: “A mera alusão à mora,
pontual e isoladamente considerada, é insuficiente para estabelecer a relação
de calibração e ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da
punição”.
Então, o critério para
identificar efeito confiscatório nas multas tributárias envolve a proporcionalidade
que deve haver entre a severidade da penalidade aplicada e a gravidade da
ofensa cometida.
Para que a multa fiscal seja
considerada confiscatória, ensina Sampaio Dória, “é necessário que inexista
qualquer conexão entre a penalidade imposta e a infração cometida, ou que a
pena seja desproporcionada ao delito ou infração tributários praticados”.
Por outro lado, a multa não pode
ser tão branda que torne atraente para o sujeito passivo o cometimento de
infrações tributárias. Para que a multa seja eficaz, ou seja, para que cumpra o
seu fim de desencorajar a sonegação, deve-se considerar o risco para o
contribuinte de ser apanhado e a remuneração das aplicações financeiras.
O fisco não tem condições materiais de verificar
todos os contribuintes. Por conseguinte, ele trabalha por amostragem. Ao tomar
a decisão de sonegar, o contribuinte irá avaliar qual a probabilidade de ser
fiscalizado, considerando os recursos humanos (quantitativamente e
qualitativamente) e tecnológicos à disposição do Fisco. Além do risco, irá
considerar qual a melhor alternativa: pagar o tributo ou aplicar no mercado
financeiro. Se o risco for baixo e o mercado remunerar bem, o sonegador
racional irá preferir aplicar e não pagar o tributo.
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