Velocino Pacheco Filho
A Constituição Federal repartiu a competência
tributária entre União, Estados e Municípios descrevendo as materialidades
sobre as quais cada ente tributante pode instituir impostos. Assim, o art. 155,
II, deferiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir
imposto sobre as seguintes materialidades: (i) operações relativas à circulação
de mercadorias, (ii) prestação de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e (iii) prestação de serviço de comunicação.
Aos Municípios, por outro lado, cabe tributar
serviços de qualquer natureza, definidos (ou relacionados) em lei complementar
(CF, art. 156, III). Os serviços tributáveis pelos Municípios são os que
constam da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, cujo art. 1º, §
2º, dispõe que “ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços
nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de
mercadorias”.
Apenas para balizamento, devemos examinar
também o fato gerador do IPI. Diz o art.
153, IV, que compete à União instituir imposto sobre produtos industrializados.
Contudo, o art. 46 do CTN dispõe que o IPI tem como fato gerador: (i) o desembaraço
aduaneiro, (ii) a saída do estabelecimento ... (iii) a arrematação em leilão .....
Ou seja, o fato gerador do IPI envolve tanto um fazer (industrialização) quanto
um dar (relativamente ao próprio bem industrializado).
Então, em quais hipóteses incide ICMS sobre
prestação de serviços? Basicamente na (i) prestação de serviços de transporte e
de comunicação; (ii) na prestação de serviços, com fornecimento de mercadoria,
quando a incidência do ICMS (concomitante com o ISS) está prevista na própria
Lista de Serviços: e (iii) no fornecimento de mercadoria, com prestação de
serviço não previsto na Lista de Serviços (CF, art. 155, § 2º, IX, “b”). Portanto,
a exigência de ICMS sobre outros serviços, que não sejam transporte ou
comunicação, sem que haja fornecimento de mercadorias, constitui invasão (ainda
que potencial) da competência reservada aos Municípios.
Como o IPI envolve tanto um fazer quanto um
dar, supõe-se que a incidência do IPI afasta a incidência do ISS (será?). Por
outro lado, a incidência do ISS, por expressa previsão legal, afasta a
incidência do ICMS, salvo se a própria lista de serviços contiver expressamente
previsão da incidência do imposto estadual sobre as mercadorias utilizadas na
prestação do serviço. A incidência do ICMS, nesse caso, não é regra, mas
exceção. Isto por que somente há incidência do ICMS se houver obrigação de dar,
enquanto o ISS incide somente se houver obrigação de fazer. Se não houver
obrigação de dar, não há que se falar em incidência do imposto estadual. Do
mesmo modo, se não houver um fazer, não se poderá falar em incidência do
imposto municipal.
Já no caso do IPI, não é afastada a incidência
do ICMS e vice versa. Assim, quando incide o IPI, normalmente incide também o
ICMS (há um dar concomitante ao fazer), embora a recíproca não seja verdadeira.
Não se tratando de prestação de serviços de
transporte e comunicação, o fato gerador do ICMS somente se caracteriza com o
fornecimento de mercadoria ou do produto industrial, acabado ou semi-acabado
(obrigação de dar). O ISS tem por fato gerador a prestação de serviço,
excetuados transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, relacionados
em lei complementar. O fato gerador do IPI compreende tanto um “fazer”
(industrialização), como um “dar” (saída do produto industrializado do
estabelecimento).
Tendo presentes esses conceitos, passemos ao
exame de um caso concreto. Quais tributos incidiriam, por exemplo, sobre a
facção? Entende-se por “facção” a indústria de confecção ou vestuário que presta
serviços exclusivamente a outras empresas, industriais ou comerciais. É uma forma
de terceirização que vem ganhando espaço na indústria de confecções: uma
indústria de maior porte contrata outras empresas para fazer a montagem
(facção) de peças remetidas pela contratante e que serão devolvidas montadas.
Que tributo(s) pode(m) incidir sobre a facção?
Vamos considerar a situação típica em que todos os insumos são fornecidos pela
contratante. Vamos desconsiderar os insumos utilizados pelo prestador de
serviço (linha, energia elétrica etc.) cujo valor seja irrisório em relação ao valor
da facção (princípio da insignificância). Os principais candidatos são o ICMS,
o ISS e o IPI.
Ora vejamos! Se os insumos e as peças são
fornecidas pelo encomendante e a empresa de facção apenas “devolve” as peças
prontas, não há circulação de mercadorias o que permite eliminar de plano a
incidência do ICMS. Com efeito, mesmo nos casos em que a própria lista de
serviços ressalva a incidência do ICMS, há fornecimento de mercadorias
juntamente com o serviço (o “fazer” se viabiliza com o “dar”).
Muito bem, a facção consiste, então, em uma
prestação de serviços. Mas, será ela tributável pelo ISS? A incidência do
imposto municipal vai depender de expressa previsão da lista de serviços anexa
à Lei Complementar 116/2003. Mas, estando ou não a facção prevista na lista de
serviços, podemos afirmar com segurança que não há incidência do ICMS, pelo
simples motivo de não haver prestação de dar.
Coerentemente com o raciocínio exposto, a
Receita Federal editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 20, de 13 de
dezembro de 2007, que, para fins de apuração do IRPJ e da base de cálculo do
CSLL, considera “prestação de serviço as operações de industrialização por
encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado
por encomenda houver preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo
encomendante”.
Por conseguinte (PC 465/07 SRRF da 9ª RF), para
fins de aplicação do art. 18 da Lei Complementar 123/2006 (Simples Nacional),
se o contribuinte industrializa sob encomenda e (i) na composição do custo
total, há preponderância dos custos adquiridos pelo próprio contribuinte, a
receita por ele obtida deveria ser tributada pelo Anexo II (indústria), mas se
(ii) na composição do custo, há preponderância dos custos fornecidos pelo
encomendante, deveria ser tributada pelo Anexo III (prestação de serviços).
Contudo, esse entendimento foi modificado pelo
Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 27, de 25 de abril de 2008, que singelamente
considerou industrialização todas as operações definidas como tais pelo
Regulamento do IPI. A partir daí,
passou-se a tributar todas as industrializações por encomenda, por empresas
enquadradas no Simples Nacional, pelo Anexo II, sem cogitar se os insumos foram
fornecidos pelo contratante ou pelo contratado. Com efeito, para a incidência do
IPI, a questão é irrelevante. Contudo, não é irrelevante para a incidência do
ICMS ou do ISS.
Ora, a incidência do ICMS não pode pautar-se
por um “ato declaratório interpretativo” da Receita Federal. Os Estados estão
sujeitos à legislação federal apenas em matéria de normas gerais (CF, art. 24,
§ 1º) que deve ser tratada em lei complementar (CF, art. 146, III), o que,
certamente, não é o caso.
O fato é que, ressalvadas as prestações de serviço de transporte e comunicação, não há que se falar de incidência do ICMS sem que esteja caracterizada a operação de circulação de mercadorias, ou seja, sem que haja fornecimento de mercadorias (matéria-prima ou outros insumos), juntamente com a prestação de serviços. O fornecimento de mercadorias (obrigação de dar) é o elemento fundamental para a incidência do imposto estadual.
A
situação descrita difere radicalmente da industrialização da mercadoria em
estabelecimento de terceiro quando esta se insere como etapa da circulação da
mercadoria, devendo retornar ao estabelecimento do encomendante. Dispõe a
legislação estadual que a saída da mercadoria do estabelecimento do
encomendante, para industrialização em estabelecimento de terceiro, bem como o
seu retorno, suspende a exigibilidade do ICMS. Ora, a suspensão (ou o
diferimento) pressupõe a incidência. Mas, se não há incidência do imposto, não
há o que suspender ou diferir. Resta, portanto, saber se incide o imposto
estadual sobre a parcela acrescida pelo estabelecimento industrializador.
Havendo incidência do imposto nessa fase, ele é diferido para a fase seguinte.
Não há qualquer paralelo entre a facção
com fornecimento dos materiais a serem industrializados pelo contratante e a
apreciada pela ADI/MC 4.389 DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, em que o conflito de
competências entre Estados e Municípios foi resolvido a favor dos primeiros, em
sede de medida cautelar – por isso mesmo com eficacia apenas ex nunc
– reconhecendo o tribunal que “o ISS não incide sobre operações de
industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou
utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação
de mercadoria”. É que, nesse caso, a incidência do ISS impediria o
aproveitamento do crédito relativo às mercadorias fornecidas juntamente com a
prestação de serviços que, nessa hipótese, são significativos. A diferença é
que nesse caso há uma obrigação de dar, o que não ocorre no primeiro caso (onde
há apenas a devolução das peças acabadas).
A incidência do ICMS supõe um “dar”. Ora, no
caso de todos os insumos utilizados pelo industrializador serem fornecidos pelo
encomendante, não há um “dar”, mas apenas um “fazer”. A devolução da mercadoria
já industrializada não se confunde com um “dar”. Devolver não é dar.
O
diferimento do valor acrescido torna a questão, para o ICMS, irrelevante, já
que o imposto diferido se subsume na operação subsequente. Mas, não havendo
incidência do imposto, por não ter ocorrido o fato gerador respectivo, não há o
que diferir, o que abre caminho para a tributação municipal, se for o caso.
A jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, nesse caso, consolidou-se no sentido da incidência do ISS, com
exclusão do ICMS. Se não há um dar (caso da facção), mesmo que a
industrialização por encomenda integre o ciclo de comercialização, incide
apenas o ISS. Nesse sentido, decidiu a
Segunda Turma (AgRg no AResp 309.854 ES): “não interessa se haverá
comercialização do produto no futuro, pois esta não é o traço distintivo da
incidência do imposto como quer fazer crer o agravante. O que há de aferir é
atividade-fim do prestador do serviço, "tendo em vista que, uma vez
concluída, extingue o dever jurídico obrigacional que integra a relação
jurídica instaurada entre o ‘prestador' (responsável pelo serviço encomendado)
e o 'tomador' (encomendante)”.
Em síntese, a prestação de serviços
somente sofre tributação pelo ICMS se houver fornecimento de mercadorias (ou
utilizados insumos) com a prestação de serviço, e a lista de serviços ressalvar
expressamente a incidência do ICMS sobre as mercadorias ou insumos empregados.
Esta análise deixa claro que não existe incidência de ICMS sobre prestação de serviços que não sejam transporte o comunicação. O que existe é incidência sobre o fornecimento de mercadorias em casos específicos expressos na Lista de Serviços. No caso de serviços funerários, por exemplo, não existe a incidência do ICMS sobre as mercadorias fornecidas com os serviços, por não constar expressamente na referida lista.
ResponderExcluirComo leigo, porem muito interessado, entendo que o ISS só incide(e não o ICMS) sobre as atividades listadas na lei 116/03. No caso de empresas optantes pelo SIMPLES, sendo industrialização ,sujeito ao IPI, recolhe-se pelo anexo2.Gostaria de ler opiniões sobre assunto.
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