DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 12 de março de 2014

O Confaz e o princípio da legalidade

Velocino Pacheco Filho

Dispõe o art. 150, § 6º, da Constituição: “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155,§ 2º, XII, g”.

O dispositivo citado diz que “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A Lei Complementar 24, de 1975, trata da concessão e revogação de isenções e outros benefícios fiscais do ICMS, mediante convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal.

Conforme art. 4º dessa lei, os convênios serão ratificados mediante decreto publicado pelo Poder Executivo de cada Unidade da Federação. Considera-se tacitamente ratificado o convênio se não houver manifestação do Estado no prazo previsto no referido artigo. Determina o art. 7º que os convênios ratificados obrigam todas as Unidades da Federação, inclusive as que não se tenham feito representar na reunião.

A expressão “sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”, contida no § 6º do art. 150 da Constituição, ressalva o que? (i) que as exonerações do ICMS podem ser concedidas apenas por convênio, sem necessidade de lei? (ii) ou que o convênio é uma condição necessária para que o Estado conceda, por lei, a isenção ou benefícios fiscal?

A concepção da Lei Complementar 24, de 1975, portanto, exclui o Poder Legislativo das deliberações sobre as concessões e revogações de benefícios fiscais relativos ao ICMS. Tudo é decidido pelo Confaz, colegiado que reúne os secretários de fazenda ou de finanças dos Estados e do Distrito Federal.

Contudo, as leis que integram ordenamentos jurídicos anteriores à Constituição somente são recepcionadas pelo ordenamento vigente na medida em que forem compatíveis com a Constituição vigente.

Ora, as isenções e demais exonerações tributárias são matérias sujeitas à reserva absoluta de lei. Quer dizer: não podem ser delegadas ao Poder Executivo. Logo, não podem ser concedidas por convênios negociados e celebrados por servidores do Poder Executivo. 

Assim, não poderia ser outra a posição do Pretório Excelso, no julgamento da ADI 1.247/MC PA, Rel. Min. Celso de Mello, em 17-8-95 (DJ 8-9-95, pp 28354; Ementa vol 1799-01, pp 20):

“A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades politicas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributaria pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTARIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO”.
Mais recentemente, a Primeira Turma desse Tribunal Superior, no julgamento do AgR no RE 630.705 MT; Rel. Min. Dias Toffoli, em 11-12-2012, decidiu:

“2. Os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário”. 
Portanto, a concessão e a revogação de isenções e outras exonerações tributárias, em tema de ICMS, devem atender, simultaneamente, duas condições: (i) ser autorizada por convênio e (ii) ser editada a competente lei em sentido formal. 

O Poder Legislativo não pode ser afastado do processo, como vem sendo feito até agora. Os Estados devem rever o seu procedimento, sob pena das isenções e benefícios fiscais em vigor perderem sua eficácia, porque se tornaram inconstitucionais. 

Um comentário:

  1. Para eliminar riscos de ilegalidade, os Estados têm solicitado referendo das Assembleias Legislativas aos convênios assinados. Entretanto, de plano, há a delegação desta mesma Assembléia para que o Poder Executivo estadual promova políticas econômico tributárias de incentivos, com renúncia de receitas e/ou devolução de impostos (Ref. Navarro Coelho, "Competência Exonerativa").

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