O ICMS NO COMÉRCIO
ELETRÔNICO:
PROTOCOLO 21 E
REFORMA TRIBUTÁRIA
Ubaldo Cesar Balthazar
Luciane Aparecida Filipini Stobe
PARTE 2/4
3. O tributo
como instrumento à serviço da República - A República Federativa do Brasil tem por objetivos:I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III
- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF).
Para
atingir seus fins, o Estado Brasileiro tem no tributo um instrumento eficaz. Pelo
poder de tributar que lhe é conferido, o Estado pode exigir contribuições
compulsórias para obter as receitas públicas de que necessita para atingir seus
fins. “A atividade da tributação é o principal instrumento utilizado pelo
Estado para poder manter-se” (BALTHAZAR, 1999, p.13).
Das lições de Hugo de Brito Machado é possível extrair que a
tributação é o “instrumento de que se tem valido a economia capitalista para
sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins, a não ser que
monopolizasse toda a atividade econômica” (MACHADO, 2003, p. 42).
Ensina Ubaldo Cesar Balthazar que o tributo é instrumento
vital para realização de propostas sociais, políticas e econômicas. É o tributo
que dá vida ao Estado e, através dele, faz-se intervenções na economia do setor
privado, visando atender os interesses públicos e aqueles próprios do Estado
(BALTHAZAR, 2005, p. 194).
No Brasil o poder de tributar é partilhado entre os entes
tributantes, definindo a Constituição Federal as competências. Quanto aos
impostos, o sistema tributário é rígido, fixando as competências conforme
previstas nos artigos 153 a 156, da Carta Republicana. Para os tributos cuja exigência depende de
uma determinada atuação estatal, referível ao contribuinte, o critério de
partilha da competência se conecta com essa atuação: “quem estiver
desempenhando legitimamente tem competência para cobrar o tributo (taxa,
pedágio, e contribuição de melhoria)” (AMARO, 2008, p. 96).
A função social do tributo está intimamente ligada ao
desenvolvimento do Brasil. Ora, o tributo é uma das ferramentas utilizadas para
o desenvolvimento da nação no setor político, econômico e cultural.
Deve esta ferramenta servir como uma balança entre as regiões
do país, ou seja, as regiões menos desenvolvidas recebendo incentivos fiscais
para seu crescimento, fazendo com que não haja uma saída em massa dessas
regiões para os grandes centros causando com isso grande parte do crescimento desordenado
das cidades (como ocorreu com o aumento do número de favelas em São Paulo, por
exemplo). Por outro lado, há de se lembrar
o que ocorreu com a Zona Franca de Manaus, onde o incentivo fiscal foi
responsável por várias melhorias e crescimento, desacelerando o êxodo da população.
Assim, o poder de tributar, além de angariar fundos, age
extrafiscalmente, interferindo no domínio econômico (MACHADO, 2006, p. 88). Por
este viés, ele é instrumento capaz de promover o desenvolvimento equilibrado do
país, buscando uma forma de equalizar os Estados da federação, para reduzir
desigualdades sociais e regionais.
O panorama da economia brasileira é marcado por
desequilíbrios regionais, conforme demonstram os estudos da Receita Federal do
Brasil, que exigem um papel efetivo do Estado na função de redistribuição de
renda, o que sem dúvida é um condicionante do modelo tributário[1].
Na concepção
contemporânea de Estado, a tributação caracteriza-se pelo poder-dever estatal,
de utilizar-se de instrumentos, legais cabíveis, que possibilite a obtenção dos
recursos necessários ao desempenho de suas atividades. Histórica, política e
constitucionalmente os tributos são reservados exclusivamente para fins
públicos (BALEEIRO, 2006, p. 785).
Devido a toda essa força motriz da tributação, o poder de
tributar é uma atividade típica do Estado, exercida por meio de lei, e
indelegável. A “arrecadação e a fiscalização tributárias constituem
competências administrativas e, portanto, passíveis de delegação a pessoas de
direito público ou privado (art. 8º, CTN)” (COSTA, 2009, p.03).
A participação na receita tributária é diversa da
competência dos entes tributantes (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios). A receita arrecadada com a incidência tributária é repartida de
acordo com ditames constitucionais (arts. 157 a 159 da Constituição Federal).
Ensina Eduardo Sabbag que a repartição da receita
tributária, entre as entidades impositoras, é meio garantidor da “autonomia
política” dos entes federados, uma vez que esta inexiste dissociada da
autonomia financeira (SABBAG, 2011, p. 548).
No modelo brasileiro, a transferência ocorre sempre do
governo de maior nível para os de menores níveis, constituindo uma
discriminação das rendas pelo produto. Por exemplo, o Município não reparte a
receita do IPTU, ISS e ITBI (impostos de sua competência) com os demais entes,
mas recebe participação da receita do ICMS de seu Estado (SABBAG, 2011, p.
559).
4. O ICMS e o comercio eletrônico - A Constituição
Federal atribui competência tributária em matéria de ICMS para os Estados e
Distrito Federal, com previsão expressa no artigo 155, II: “Compete aos Estados
e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas
à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior”. A regulamentação do ICMS dá-se pela Lei
Complementar 87/1996 (Lei Kandir), conforme determina o artigo 146, e o inciso XII, § 2º do artigo 155, da Constituição.
O referido imposto incide sobre a circulação de mercadorias
no território nacional, sobre a prestação de serviços de transportes,
interestaduais e intermunicipais, sobre os serviços de comunicação e sobre a
importação.
O fato gerador do tributo é
um fato ou um conjunto de fatos, que faz com que nasça uma obrigação jurídica
de pagar o tributo determinado. Os fatos geradores do ICMS são atos ou
negócios, independentemente da natureza jurídica, que implicam na circulação de
mercadorias, dessa forma fazendo com que a mercadoria seja transportada da
produção até o consumo.
A circulação traz o sentido
de transporte, mobilidade, porém o ICMS não incide na simples circulação física
do bem móvel, mas para ocorrer seu fato gerador é necessário que sua circulação
física seja acompanhada da mudança de titularidade da mercadoria. O conceito de
circulação segundo Eduardo Sabbag é a “mudança de titularidade jurídica do bem
(não mera movimentação “física”, mas circulação jurídica do bem). O bem sai da
titularidade de um sujeito e passa à titularidade definitiva de outro.” Esta
troca de titularidade ocorre com finalidade da mercancia (SABBAG. 2012. p.1062).
O artigo 2° da Lei Complementar 87/96, enumera os fatos geradores
do ICMS. Todavia, destaca-se que o objeto deste estudo se vincula apenas à
incidência nas operações relativas à circulação de mercadorias (art. 2°, I)
especificamente aquelas adquiridas no comércio eletrônico.
Nestes casos, conforme prevê o artigo 12 da Lei Complementar
87/96, “considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da
saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte”.
Não existe grande ofuscamento no entendimento quanto às
operações tributadas pelo ICMS, nos casos em que o comprador e vendedor, ou
prestador de serviço, situam-se no mesmo Estado, pois toda a arrecadação do
tributo pertencerá à mesma Fazenda Estadual. Estas são as operações internas,
que acarretam a incidência de alíquotas internas.
O grande transtorno e motivo que gera a guerra fiscal entre
os Estados, centro desse estudo, são as alíquotas interestaduais, que são as
alíquotas fixadas sobre o ICMS, quando o vendedor se encontra em um Estado e o
comprador em outro Estado.
Dependendo do Estado de incidência, as alíquotas internas,
regra geral, são de 17%, 18% ou 19%[2].
Porém, em observância ao princípio da seletividade do ICMS, as alíquotas
internas poderão ser reduzidas ou majoradas, sendo que 7%, 12%, 17% e 25%, são
as alíquotas mais utilizadas.
Os conflitos tributários entre os Estados ocorrem quando o
vendedor situa-se em Estado diverso do comprador (contribuinte do ICMS), tendo
por fim definir a qual Estado pertence o ICMS. Para resolver problema, criou-se um critério de repartição,
por meio das alíquotas interestaduais, que se aplicam às operações
interestaduais.
O comprador (contribuinte) da mercadoria receberá um
crédito, referente ao imposto pago nas etapas anteriores, e este poderá abater
do imposto referente à futura venda da mercadoria, isto considerando que o ICMS
é um imposto não cumulativo (art. 155, §2º, I, CF).
Assim, ao aplicar a alíquota interestadual do imposto
inferior à alíquota interna, o comprador situado no Estado de destino deixará
de recolher parte da alíquota, fazendo com que a arrecadação seja dividida
entre os Estados envolvidos, conforme previsto no artigo 155, § 2º, VIII, da
Constituição Federal.
Nos casos em que o destinatário final não for contribuinte
do ICMS, o imposto será cobrado totalmente no Estado do vendedor. É o que
ocorre na venda no comércio eletrônico direto para o consumidor final. Nesta
situação, a Constituição Federal, em seu artigo 155, §2º, VII, b, determina a
adoção de alíquota interna, nas operações e prestações que destinem bens e
serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, quando o destinatário
não for contribuinte do imposto.
Assim prevê a Constituição, literalmente:
Artigo 155. Compete aos
Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à
circulação de mercadorias (...)
§2º O imposto previsto no
inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
VII – em relação às operações
e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em
outro Estado, adotar-se-á:
(...)
b) a alíquota interna, quando
o destinatário não for contribuinte dele”.
Com o vultoso crescimento do comércio eletrônico, os Estados predominantemente produtores têm
se valido de sua competência arrecadatória e de sua capacidade fabril, para
ampliar a arrecadação sobre a incidência sobre produtos comercializados pela
internet. Ao tempo em que nos Estados predominantemente consumidores, a
arrecadação tem ficado estagnada ou ainda presencia-se decréscimo de receita, pelo
fato de não terem mercados produtores expressivos.
Para Letícia Canut, o
comércio eletrônico é entendido como toda relação jurídica onerosa estabelecida
para fornecimento de produto ou serviço, realizado por meio de uma rede de
computadores (CANUT, 2007, p.135).
O comércio eletrônico é instrumento de grande importância
para o desenvolvimento econômico, e se caracteriza pela compra, venda e troca
de produtos e ainda podendo-se incluir a prestação de serviços ao cliente, via
rede mundial de computadores (internet). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001).
Atualmente é que a legislação tributária não responde as
demandas de um comércio eletrônico sempre maior, com uma tributação com base
constitucional elaborada no século passado[3].
A disparidade arrecadatória é motivo de
ampliação das desigualdades regionais, com reflexo direto nos Municípios que
recebem, por participação, fração dos recursos do ICMS, conforme artigo 158,
IV, da Constituição.
Neste aspecto, o ICMS destoa
dos objetivos da República Federativa do Brasil e tem servido para acentuar
ainda mais as diferenças (MACHADO. 2006. p.372).
[1]
Ver: www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/estatísticas, acesso
em 03/08/2013.
[2]
Com exceção dos Estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo, que possuem
alíquota interna de 18%, e do Rio de Janeiro, com 19%, todos os demais Estados
de federação adotam alíquota interna de 17%.
[3] De
fato, a Constituição prevê que quando, por exemplo, um produto produzido em São
Paulo for vendido no mercado varejista da Bahia a alíquota é dividida entre os
dois Estados, sendo que 11% ficam no Estado onde o produto foi vendido ao
consumidor final e 7% ao Estado produtor. No caso da compra on-line a Constituição prevê que todo o
tributo fique no Estado de origem.
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