DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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segunda-feira, 3 de março de 2014

O ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: PROTOCOLO 21 E REFORMA TRIBUTÁRIA (Parte 2/4)



O ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO:
PROTOCOLO 21 E REFORMA TRIBUTÁRIA
Ubaldo Cesar Balthazar
Luciane Aparecida Filipini Stobe

PARTE 2/4

3.  O tributo como instrumento à serviço da República - A República Federativa do Brasil tem por objetivos:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF).

Para atingir seus fins, o Estado Brasileiro tem no tributo um instrumento eficaz. Pelo poder de tributar que lhe é conferido, o Estado pode exigir contribuições compulsórias para obter as receitas públicas de que necessita para atingir seus fins. “A atividade da tributação é o principal instrumento utilizado pelo Estado para poder manter-se” (BALTHAZAR, 1999, p.13).

Das lições de Hugo de Brito Machado é possível extrair que a tributação é o “instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica” (MACHADO, 2003, p. 42).

Ensina Ubaldo Cesar Balthazar que o tributo é instrumento vital para realização de propostas sociais, políticas e econômicas. É o tributo que dá vida ao Estado e, através dele, faz-se intervenções na economia do setor privado, visando atender os interesses públicos e aqueles próprios do Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 194).

No Brasil o poder de tributar é partilhado entre os entes tributantes, definindo a Constituição Federal as competências. Quanto aos impostos, o sistema tributário é rígido, fixando as competências conforme previstas nos artigos 153 a 156, da Carta Republicana.  Para os tributos cuja exigência depende de uma determinada atuação estatal, referível ao contribuinte, o critério de partilha da competência se conecta com essa atuação: “quem estiver desempenhando legitimamente tem competência para cobrar o tributo (taxa, pedágio, e contribuição de melhoria)” (AMARO, 2008, p. 96).

A função social do tributo está intimamente ligada ao desenvolvimento do Brasil. Ora, o tributo é uma das ferramentas utilizadas para o desenvolvimento da nação no setor político, econômico e cultural.

Deve esta ferramenta servir como uma balança entre as regiões do país, ou seja, as regiões menos desenvolvidas recebendo incentivos fiscais para seu crescimento, fazendo com que não haja uma saída em massa dessas regiões para os grandes centros causando com isso grande parte do crescimento desordenado das cidades (como ocorreu com o aumento do número de favelas em São Paulo, por exemplo).  Por outro lado, há de se lembrar o que ocorreu com a Zona Franca de Manaus, onde o incentivo fiscal foi responsável por várias melhorias e crescimento, desacelerando o êxodo da população.

Assim, o poder de tributar, além de angariar fundos, age extrafiscalmente, interferindo no domínio econômico (MACHADO, 2006, p. 88). Por este viés, ele é instrumento capaz de promover o desenvolvimento equilibrado do país, buscando uma forma de equalizar os Estados da federação, para reduzir desigualdades sociais e regionais.

O panorama da economia brasileira é marcado por desequilíbrios regionais, conforme demonstram os estudos da Receita Federal do Brasil, que exigem um papel efetivo do Estado na função de redistribuição de renda, o que sem dúvida é um condicionante do modelo tributário[1]. 

Na concepção contemporânea de Estado, a tributação caracteriza-se pelo poder-dever estatal, de utilizar-se de instrumentos, legais cabíveis, que possibilite a obtenção dos recursos necessários ao desempenho de suas atividades. Histórica, política e constitucionalmente os tributos são reservados exclusivamente para fins públicos (BALEEIRO, 2006, p. 785).

Devido a toda essa força motriz da tributação, o poder de tributar é uma atividade típica do Estado, exercida por meio de lei, e indelegável. A “arrecadação e a fiscalização tributárias constituem competências administrativas e, portanto, passíveis de delegação a pessoas de direito público ou privado (art. 8º, CTN)” (COSTA, 2009, p.03).

A participação na receita tributária é diversa da competência dos entes tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A receita arrecadada com a incidência tributária é repartida de acordo com ditames constitucionais (arts. 157 a 159 da Constituição Federal).

Ensina Eduardo Sabbag que a repartição da receita tributária, entre as entidades impositoras, é meio garantidor da “autonomia política” dos entes federados, uma vez que esta inexiste dissociada da autonomia financeira (SABBAG, 2011, p. 548).

No modelo brasileiro, a transferência ocorre sempre do governo de maior nível para os de menores níveis, constituindo uma discriminação das rendas pelo produto. Por exemplo, o Município não reparte a receita do IPTU, ISS e ITBI (impostos de sua competência) com os demais entes, mas recebe participação da receita do ICMS de seu Estado (SABBAG, 2011, p. 559).

4.  O ICMS e o comercio eletrônico - A Constituição Federal atribui competência tributária em matéria de ICMS para os Estados e Distrito Federal, com previsão expressa no artigo 155, II: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. A regulamentação do ICMS dá-se pela Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), conforme determina o artigo 146, e o inciso XII, § 2º do artigo 155, da Constituição.

O referido imposto incide sobre a circulação de mercadorias no território nacional, sobre a prestação de serviços de transportes, interestaduais e intermunicipais, sobre os serviços de comunicação e sobre a importação.

O fato gerador do tributo é um fato ou um conjunto de fatos, que faz com que nasça uma obrigação jurídica de pagar o tributo determinado. Os fatos geradores do ICMS são atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica, que implicam na circulação de mercadorias, dessa forma fazendo com que a mercadoria seja transportada da produção até o consumo.

A circulação traz o sentido de transporte, mobilidade, porém o ICMS não incide na simples circulação física do bem móvel, mas para ocorrer seu fato gerador é necessário que sua circulação física seja acompanhada da mudança de titularidade da mercadoria. O conceito de circulação segundo Eduardo Sabbag é a “mudança de titularidade jurídica do bem (não mera movimentação “física”, mas circulação jurídica do bem). O bem sai da titularidade de um sujeito e passa à titularidade definitiva de outro.” Esta troca de titularidade ocorre com finalidade da mercancia (SABBAG. 2012. p.1062).

O artigo 2° da Lei Complementar 87/96, enumera os fatos geradores do ICMS. Todavia, destaca-se que o objeto deste estudo se vincula apenas à incidência nas operações relativas à circulação de mercadorias (art. 2°, I) especificamente aquelas adquiridas no comércio eletrônico.

Nestes casos, conforme prevê o artigo 12 da Lei Complementar 87/96, “considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte”.

Não existe grande ofuscamento no entendimento quanto às operações tributadas pelo ICMS, nos casos em que o comprador e vendedor, ou prestador de serviço, situam-se no mesmo Estado, pois toda a arrecadação do tributo pertencerá à mesma Fazenda Estadual. Estas são as operações internas, que acarretam a incidência de alíquotas internas.

O grande transtorno e motivo que gera a guerra fiscal entre os Estados, centro desse estudo, são as alíquotas interestaduais, que são as alíquotas fixadas sobre o ICMS, quando o vendedor se encontra em um Estado e o comprador em outro Estado.

Dependendo do Estado de incidência, as alíquotas internas, regra geral, são de 17%, 18% ou 19%[2]. Porém, em observância ao princípio da seletividade do ICMS, as alíquotas internas poderão ser reduzidas ou majoradas, sendo que 7%, 12%, 17% e 25%, são as alíquotas mais utilizadas.

Os conflitos tributários entre os Estados ocorrem quando o vendedor situa-se em Estado diverso do comprador (contribuinte do ICMS), tendo por fim definir a qual Estado pertence o ICMS. Para resolver  problema, criou-se um critério de repartição, por meio das alíquotas interestaduais, que se aplicam às operações interestaduais.

O comprador (contribuinte) da mercadoria receberá um crédito, referente ao imposto pago nas etapas anteriores, e este poderá abater do imposto referente à futura venda da mercadoria, isto considerando que o ICMS é um imposto não cumulativo (art. 155, §2º, I, CF).

Assim, ao aplicar a alíquota interestadual do imposto inferior à alíquota interna, o comprador situado no Estado de destino deixará de recolher parte da alíquota, fazendo com que a arrecadação seja dividida entre os Estados envolvidos, conforme previsto no artigo 155, § 2º, VIII, da Constituição Federal.

Nos casos em que o destinatário final não for contribuinte do ICMS, o imposto será cobrado totalmente no Estado do vendedor. É o que ocorre na venda no comércio eletrônico direto para o consumidor final. Nesta situação, a Constituição Federal, em seu artigo 155, §2º, VII, b, determina a adoção de alíquota interna, nas operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

Assim prevê a Constituição, literalmente:

Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias (...)
§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
(...)
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele”.

Com o vultoso crescimento do comércio eletrônico, os Estados predominantemente produtores têm se valido de sua competência arrecadatória e de sua capacidade fabril, para ampliar a arrecadação sobre a incidência sobre produtos comercializados pela internet. Ao tempo em que nos Estados predominantemente consumidores, a arrecadação tem ficado estagnada ou ainda presencia-se decréscimo de receita, pelo fato de não terem mercados produtores expressivos.

Para Letícia Canut, o comércio eletrônico é entendido como toda relação jurídica onerosa estabelecida para fornecimento de produto ou serviço, realizado por meio de uma rede de computadores (CANUT, 2007, p.135).

O comércio eletrônico é instrumento de grande importância para o desenvolvimento econômico, e se caracteriza pela compra, venda e troca de produtos e ainda podendo-se incluir a prestação de serviços ao cliente, via rede mundial de computadores (internet). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001).

Atualmente é que a legislação tributária não responde as demandas de um comércio eletrônico sempre maior, com uma tributação com base constitucional elaborada no século passado[3].

A disparidade arrecadatória é motivo de ampliação das desigualdades regionais, com reflexo direto nos Municípios que recebem, por participação, fração dos recursos do ICMS, conforme artigo 158, IV, da Constituição.

Neste aspecto, o ICMS destoa dos objetivos da República Federativa do Brasil e tem servido para acentuar ainda mais as diferenças (MACHADO. 2006. p.372).


[1] Ver: www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/estatísticas, acesso em 03/08/2013.
[2] Com exceção dos Estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo, que possuem alíquota interna de 18%, e do Rio de Janeiro, com 19%, todos os demais Estados de federação adotam alíquota interna de 17%.
[3] De fato, a Constituição prevê que quando, por exemplo, um produto produzido em São Paulo for vendido no mercado varejista da Bahia a alíquota é dividida entre os dois Estados, sendo que 11% ficam no Estado onde o produto foi vendido ao consumidor final e 7% ao Estado produtor. No caso da compra on-line a Constituição prevê que todo o tributo fique no Estado de origem.

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