A
famigerada pauta de valores mínimos
Velocino
Pacheco Filho
Auditor Fiscal/SC
A doutrina, secundada pela
jurisprudência, tem afirmado repetidamente que o legislador não pode definir de
modo arbitrário a base de cálculo de um tributo, mas que ela deve ter uma
relação lógica com a descrição do fato gerador. Todos nós aprendemos a
definição lapidar de Geraldo Ataliba de fato gerador como uma “perspectiva
dimensível do aspecto material da hipótese de incidência”. Em outras palavras,
a base de cálculo é a expressão financeira do fato gerador.
No caso do ICMS, o art. 13 da Lei
Complementar 87/96 define a base de cálculo, conforme o caso, como o “valor da
operação”, o “preço do serviço”, o “preço corrente da mercadoria” etc.
Por outro lado, o art. 148 do Código
Tributário Nacional (CTN) permite ao Fisco arbitrar esse valor ou preço, quando
as declarações, esclarecimentos prestados ou os documentos emitidos: (i) forem
omissos; ou (ii) não merecerem fé. Fora dessas hipóteses, é vedado à autoridade
administrativa exigir o ICMS sobre base de cálculo diversa.
Com efeito, sobre a matéria o Superior
Tribunal de Justiça editou a Súmula 431, declarando que “é ilegal a cobrança de
ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal
Federal (RE 92.679-8/ES; LEX 27: 183) já decidiu que o uso de pauta fiscal “só
se legitima quando, em processo regular, não ficar demonstrado o valor real da
operação de que decorrer a saída da mercadoria”.
Mais recentemente, conforme Ministro
Joaquim Barbosa (despacho no Agravo de Instrumento 632.847; RDDT 182: 195), “a
utilização da pauta fiscal deve ser motivada, e faz parte de tal motivação o
registro da idoneidade dos meios utilizados para se chegar aos valores
presumidos para compor a base de cálculo do tributo”.
Em resumo, (i) a pauta fiscal somente
pode ser utilizada nas hipóteses em que o art. 148 do CTN autoriza o
arbitramento: omissão ou quando não mereçam fé as declarações e os documentos
do contribuinte; (ii) incumbe ao Fisco provar que as declarações e documentos
do contribuinte não merecem fé; (iii) também ao Fisco incumbe provar a
idoneidade dos meios utilizados arbitrar os valores da operação (ou dos preços
de pauta) e; por fim, (iv) deve ser garantido ao contribuinte o oferecimento de
avaliação contraditória.
Estamos diante de jurisprudência
reiterada e uniforme dos tribunais superiores, adotada desde a década de
sessenta.
Apesar disso, a Administração
Tributária catarinense expediu o Ato Diat 17/2011 que “considerando a
necessidade de adequar a base de cálculo do ICMS aos preços de mercado ...
aprova a Pauta de Valores Mínimos constante do Anexo Único deste Ato ....”.
Ora, os preços de mercado são
determinados pelo próprio mercado – ou seja, pelo confronto entre demanda e
oferta – e não por ato normativo das autoridades administrativas.
O próprio Regulamento do ICMS-SC, que
trata da base de cálculo na Seção I do Capítulo IV, dispõe sobre arbitramento
na Subseção III, cujo art. 15 trata do arbitramento nos mesmos termos do art.
148 do CTN. O art. 16 prevê que o Fisco deve elaborar um “Termo de
Arbitramento” do qual deve ser dada ciência ao contribuinte que, conforme § 2º,
dispõe do prazo de trinta dias para contestar. O art. 17 diz que o Termo de
Arbitramento deve acompanhar a Notificação, com cópias dos documentos que
embasaram o arbitramento (art. 18).
Assim os trinta dias previstos no § 2º
do art. 16 não afasta o direito do contribuinte de impugnar o arbitramento
perante o Tribunal Administrativo Tributário,conforme art. 20 do RICMS.
Ainda dentro da mesma subseção, o art.
21 autoriza a expedição de pauta fiscal (não de pauta de valores mínimos),
cujos valores poderão ser utilizados nas mesmas hipóteses do arbitramento, ou
seja, se as declarações e documentos do sujeito passivo forem omissos ou não
merecerem fé.
A Pauta Fiscal é uma forma
simplificada de arbitramento, para uso na fiscalização de mercadorias em
trânsito, principalmente, porém, nas mesmas hipóteses e com as mesmas
restrições. O art. 21 do RICMS-SC não é uma autorização para o arbítrio ou para
desconsiderar o valor da operação ou o preço acordado entre as partes. Tal
valor somente poderá ser afastado, para aplicação da pauta, no caso de omissão
(e.g. transporte de mercadorias sem
documento fiscal) ou se o Fisco provar que o preço declarado não merece fé.
Como se explica que em um Estado
Democrático de Direito (seria o caso, conforme art. 1º da CF) a Administração
Tributária se arrogue o direito de ignorar o ordenamento jurídico e desafiar a
jurisprudência dos tribunais superiores?