Velocino Pacheco Filho
O art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal dispõe que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS serão concedidos e revogados. A matéria acha-se regulada pela Lei Complementar 24/1975, expressamente recepcionada pela Carta de 1988 (ADCT, art. 34, § 8º). Isenções, incentivos e benefícios fiscais dependem para sua concessão e revogação da celebração de convênios no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão formado pelos secretários de fazenda ou finanças de todos os Estados e do Distrito Federal.
Basta a celebração de convênios para que isenções, incentivos e benefícios fiscais sejam concedidos? Os convênios dispensam a edição de lei?
Ora, o art. 150 (trata das limitações ao poder de tributar), § 4º, da Constituição dispõe que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.
O que se deve entender por “sem prejuízo de ...”? No caso do ICMS, os convênios suprem a necessidade de lei? Ou que os convênios não dispensam a necessidade de lei?
Jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal Federal tem considerado inconstitucionais as isenções e benefícios fiscais concedidos sem prévia autorização em convênio. Mas, basta o convênio? Em relação a qualquer outro tributo, as isenções e benefícios fiscais obedecem ao princípio da legalidade. No ICMS, ao contrário dos demais tributos, os convênios afastam o princípio da legalidade? À evidência, o Confaz não é um corpo legislativo, mas é formado por representantes do Poder Executivo de todas as unidades da Federação.
A Constituição deve ser interpretada de forma unificada. Nenhum dispositivo constitucional deve ser interpretado isoladamente, como se fossem suficientes em si mesmos. Pelo contrário, o sentido deve ser pesquisado de modo integrado com os demais dispositivos da Constituição. O sentido dos dispositivos constitucionais deve ser apreendido como fazendo parte de um todo, o ordenamento jurídico constitucional.
A melhor interpretação é aquela que atenda da melhor maneira possível ao conjunto dos dispositivos e dos princípios contidos na Constituição. No caso da concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS, deve ser atendido o princípio da legalidade e também à exigência de convênio como condição prévia para sua concessão. Os convênios não suprem a lei, mas constituem uma condição a mais imposta pelo legislador constituinte.
Trata-se de uma dupla condição: instituição por lei e autorização por convênio. Isto porque o ICMS é um tributo nacional, mas de competência dos Estados-membros. Então, para preservar o equilíbrio federativo, as exonerações tributárias em matéria de ICMS devem ser autorizadas pelos demais Estados-membros. Essa, aliás, a justificação adotada pelo STF na ADI 4.276 (DJe 18-9-2014, pp. 27/8):
“O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional”.
Por isso, os convênios são sempre autorizativos. Nenhum convênio é autoaplicável, dependendo de ato normativo do Estado para poder ser aplicado. Os convênios, em homenagem ao princípio federativo, exigem unanimidade para sua aprovação.
Portanto, resulta inevitável a conclusão de que a quase totalidade das isenções e benefícios fiscais em vigor podem ter declarada sua inconstitucionalidade, ou por falta de convênio ou por falta de lei.