Velocino Pacheco Filho
Sabe-se que matéria tributária submete-se à reserva
absoluta da lei. O princípio da legalidade tributária está expresso no art.
150, I, da Lei Maior. Precisando melhor o conceito, o Código Tributário
Nacional, art. 97, IV, dispõe que somente a lei pode estabelecer a fixação da
base de cálculo dos tributos.
Comenta Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário, 9ª
ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 167) que “as pessoas só devem pagar tributos
em cuja cobrança consentirem .... dado por meio de lei ordinária”. Entenda-se:
esse consentimento não é individual, mas coletivo: o povo, por meio de seus
representantes eleitos autorizam a cobrança de tributos e em que condições.
Arremata o mesmo autor: “Não é por outro motivo que se tem sustentado que em
nosso ordenamento jurídico vige, mais do que o princípio da legalidade
tributária, o princípio da estrita legalidade”.
A determinação constitucional da estrita legalidade, leciona Marçal Justem
Filho (Curso de Direito Administrativo, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
133), “significa a supressão da competência normativa externa ao Poder
Legislativo para a disciplina de certo tema”. Isto por que “há a determinação
constitucional de exercício exaustivo e completo pelo Legislativo da
competência normativa, sem margem para complementação da disciplina por meio da
atuação do Poder Executivo”.
Mas não se trata apenas do princípio da legalidade. A matéria tributária está
sob reserva absoluta da lei, conceito que Alexandre de Moraes (Constituição do
Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª e. São Paulo: Atlas, 2003,
p. 199) diferencia da legalidade da seguinte forma:
“Se todos os comportamentos humanos estão
sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da
reserva da lei. Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade
ou conteúdo, visto exigir tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo,
sem participação normativa do Executivo”.
Conforme
Carrazza (op cit. p. 223), “o Executivo não poderá apontar - nem mesmo por
delegação legislativa - nenhum aspecto essencial da norma jurídica tributária,
sob pena de flagrante inconstitucionalidade”.
Com efeito, a competência tributária é indelegável, conforme mansa e pacífica
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Assim, na ADI 2.688 (RDDT 194:
207), decidiu o Pretório Excelso:
“2. Todos os critérios essenciais para a
identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do
tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, §
6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos
em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais previstas
na Constituição”.
Contudo,
a Administração Tributária tem cada vez mais definido o tratamento tributário
individualizado para determinados contribuintes, mediante simples ato
administrativo ou TTD (Tratamento Tributário Diferenciado), não só no que se
refere a obrigações acessórias, mas também em relação à obrigação principal (a
obrigação de recolher o tributo). Despiciendo dizer que o TTD não faz qualquer
referência à pretensa legislação que o autorize ou que lhe sirva de base.
O
TTD não é lei, nem compõe a legislação tributária. Pelo contrário, trata-se de
ato administrativo, editado uti singuli para atender a
circunstância (ou interesse) particular do contribuinte. O TTD não pode tratar
de obrigação principal se, para tanto, não estiver expressamente autorizado por
lei. Pretender o contrário, seria instituir “privilégio odioso” que o direito
repele e que é incompatível com um Estado Democrático de Direito, como se
propõe a ser o Brasil.
Com efeito, o art. 19, III, da Constituição da República veda à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si”. As relações entre o Fisco e os
contribuintes regem-se, entre outros, pelo princípio da impessoalidade (= todos
são iguais perante a Administração), agasalhado pelo art. 37, entre os
princípios que informam a Administração Pública. Por fim, o art. 150, II,
proíbe a instituição de tratamento desigual “entre contribuintes que se
encontram em situação equivalente”.
Não se admite, a luz do princípio da isonomia, a instituição, mediante TTD, de
estatuto pessoal a determinados contribuintes, não extensíveis aos demais. Com
efeito, leciona José Souto Maior Borges (Isenções Tributárias): “No moderno Estado de Direito a
igualdade e a generalidade são princípios básicos de tributação, com os quais
colidem as isenções de pessoas ou grupos sociais estabelecidos pura e
simplesmente ‘intuitu personae’, isto
é, sem nenhuma consideração de justiça fiscal ou de ordem social ou econômica”.