DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Os benefícios fiscais e o financiamento do Estado

Velocino Pacheco Filho

Um dois mais graves problemas com que se defronta o Estado moderno é o do financiamento do setor público. O Estado Democrático de Direito é fundamentalmente um Estado Fiscal, no sentido de ser financiado basicamente com receitas tributárias (a contribuição de todos, na medida da capacidade contributiva de cada um). No antigo regime, o Estado era financiado pelas rendas patrimoniais do príncipe; nas modernas democracias, o financiamento do Estado é um dever da cidadania.

Mas as receitas tributárias podem se revelar insuficientes para custear o setor público que se defronta com demandas sociais cada vez maiores e com a participação crescente dos direitos fundamentais no constitucionalismo moderno. Os direitos ditos de primeira geração – fruto da ideologia liberal – exigiam uma atitude omissiva do Estado. Mas, os direitos de segunda (direitos sociais), terceira (difusos e intersubjetivos) e quarta geração (relativos à democracia participativa), pedem ações do Estado que representam custos a serem cobertos pelos tributos. 

No caso de insuficiência de recursos, o Estado pode aumentar impostos ou cortar despesas (o que, de modo geral, recai sobre os programas sociais). São somente essas as alternativas?

Um caminho, é a busca da excelência na administração pública. O artigo 37 da Constituição da República consagra a “eficiência” como um dos princípios que informam a Administração Pública. Assim, o Estado tem o dever de ser eficiente. A ineficiência e o desperdício representam custos que terão de ser suportados por toda população, mediante pagamento de tributos. O tributo, como contribuição de todos para o custeio do Estado, não pode financiar a ineficiência ou o desperdício. Ser eficiente não é opção, é obrigação.

Outro caminho que a Administração tem se recusado a trilhar, é a revisão dos benefícios fiscais. Se todos são iguais perante a lei e o pagamento de tributos é um dever da cidadania, o que justifica que alguns sejam dispensados desse dever? O art. 150, II, da Constituição, veda instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Isto significa que todos devem ser atingidos igualmente pela tributação. O privilégio fiscal, dado a uns e negados à grande maioria é incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Diante de um benefício fiscal, devemos perguntar: o que justifica esse tratamento privilegiado? Pode ser o próprio conceito de isonomia tributária: os contribuintes não estão em situação equivalente. Deve existir um traço desigualador que justifique a diferença de tratamento. Os fracos, os idosos, as crianças, os doentes merecem a proteção e o cuidado da sociedade. A dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) justifica, por exemplo, a isenção do mínimo vital. 

Por outro lado, não faz sentido tributar instituições sem fins lucrativos que atuam na educação, assistência social ou na saúde. Tais instituições colaboram com o Estado para a realização do bem comum.

A garantia do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) justifica o tratamento diferenciado e favorecido dispensado à microempresa e à empresa de pequeno porte. Também pode justificar esse tratamento, a busca do pleno emprego (CF, art. 170, VIII), considerando o potencial das pequenas empresas em absorver mão-de-obra.

O que não pode ser tolerado é o privilégio odioso, que beneficia apenas alguns, em detrimento da grande maioria. Ou dito de outra forma, o benefício dado aos poucos privilegiados supera em muito o eventual benefício social. É o caso do tratamento tributário mais benéfico dado a uma empresa, sob o pretexto de geração de emprego e renda. Contudo, o benefício não será justificado se o lucro proporcionado pelo empreendimento incentivado for muito maior que o trabalho e a renda gerados.

A lei tributária que institui isenções, reduções de base de cálculo, crédito presumido ou qualquer outra forma de tratamento desigual entre os contribuintes somente poderia ser admitida no ordenamento jurídico se tiver por fundamento algum valor prestigiado pela constituição que o justifique. Essa é uma diretriz que deve ser adotada pelo Legislativo, pela Administração Tributária e pelo Judiciário. 

Para ficar apenas em aspectos formais, se apenas fossem revogados os benefícios fiscais do ICMS, sem autorização por convênio, celebrado conforme art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal, já sobrariam recursos para implementar as políticas sociais. Por exemplo, o que justifica o art. 12, II, da Lei 10.297/1996, de Santa Catarina, que exclui da base de cálculo do ICMS “os acréscimos financeiros cobrados nas vendas a prazo a consumidor final”?

No caso de venda com intermediação financeira, o vendedor recebe de imediato o preço a vista, enquanto o acréscimo financeiro será onerado por outro imposto, de competência da União, sobre operações financeiras (IOF). Na verdade, são celebrados dois contratos simultaneamente, um de compra e venda e outro de financiamento. Mas, no caso de venda a prazo, bancada pelo próprio comerciante, a base de cálculo do ICMS deve ser o preço total cobrado do consumidor, inclusive o acréscimo financeiro, conforme remansosa jurisprudência do STJ. O dispositivo da legislação catarinense não passa de benefício fiscal não autorizado por convênio (i. e. inconstitucional), concebido para proteger certas empresas de concorrentes melhor organizados.