Velocino Pacheco Filho
Que tributo incide sobre a industrialização por encomenda: ICMS ou ISS? Essa tem sido uma discussão recorrente. O Superior Tribunal de Justiça, de modo um tanto simplista, vinha entendendo que incide apenas o ISS, sem levar em conta a inserção da industrialização por encomenda em um ciclo de comercialização. Levava-se em conta apenas a literalidade da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
O ponto focal da discussão era a tributação dos produtos da indústria gráfica, tais como rótulos e embalagens, quando agregados a produtos destinados à comercialização, incidindo então o ICMS.
Nova orientação, entretanto, foi dada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI/MC 4389 (2011), em que foi relator o Min. Joaquim Barbosa. O Tribunal, em uma interpretação conforme o art. 1º, caput e § 2º da LC 116/2003 e o subitem 13.05 da Lista de Serviços, decidiu que incidiria o ICMS e não o ISS sobre as referidas operações. Conforme o novo paradigma, o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, quando destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadorias.
Por conseguinte, a contrario sensu, quando o produto resultante da industrialização por encomenda não se destinar à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadorias incide apenas o ISS, com exclusão do ICMS.
Com efeito, o fato gerador do ICMS é definido como “operação de circulação de mercadoria”. Assim, antes de mais nada, é preciso que se trate de mercadoria, assim entendido “o bem móvel adquirido para fins de revenda” ou a industrialização de produto que se destina à mercancia. A condição de mercadoria não é uma qualidade intrínseca ao bem, mas depende da intenção de quem o adquire. Um mesmo bem pode ser mercadoria em um momento e não sê-lo no momento seguinte: quando o bem é adquirido para uso próprio e não para revenda deixa de ser mercadoria.
Á evidência, a industrialização por encomenda somente será tributável pelo ICMS quando se destinar à comercialização ou à integração a processo industrial cujo produto será destinado à comercialização. Porém, se o produto resultante se destinar ao uso do encomendante, não incide ICMS pela simples razão do bem não adquirir a condição de mercadoria. Simples assim.
A jurisprudência do STJ, posterior à ADI/CM 4389 reflete a nova orientação. Assim, a Primeira Turma do Tribunal, no julgamento do AgRg no Ag 13.611.444 RS (DJe 17-12-2013), decidiu que “industrialização por encomenda caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência do ISS, e não do ICMS”.
Também a Segunda Turma do STJ, nos EDcl no AgRg no AREsp 309854 ES (Dje 18-9-2013) firmou entendimento no mesmo sentido: “No julgamento da medida cautelar na ADI 4.389, ficou consignado que a incidência do ICMS só ocorrerá nos casos em que a produção de embalagem, etiquetas sob encomenda (personalizada) seja destinada à subsequente utilização em processo de industrialização ou posterior circulação de mercadoria”. Há, portanto, convergência de entendimento das duas turmas que formam a 1ª Seção do Tribunal.
Também da Segunda Turma, o AgRg no AREsp 207589 RS (DJe 14-11-2012) esclarece: “Trata-se de serviços personalizados feitos em conformidade com o interesse exclusivo do cliente, distintos dos serviços destinados ao público em geral. A industrialização por encomenda caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência de ISS, e não de ICMS”.
Finalmente, nos EDcl no AgRg no AREsp 103409 RS (DJe 18-6-2012), o Tribunal decidiu que a incidência do ICMS só ocorrerá nos casos em que a produção de embalagens e etiquetas sob encomenda (personalizada) seja destinada a subsequente utilização em processo de industrialização ou posterior circulação de mercadorias. Quando a industrialização sob encomenda destina-se ao uso da própria empresa, esta atua como consumidora final. Portanto, se não irá fazer parte de futuro processo de industrialização ou comercialização, o imposto que incide é o ISS e não o ICMS.
É esse o caso da confecção de banners sob encomenda e para uso do encomendante, como analisado em artigo anterior. O encomendante, na hipótese, é consumidor final. Os banners não se caracterizam como mercadoria, já que não se destinam à comercialização, mas ao uso próprio do encomendante. Não sendo mercadoria, não ocorre o fato gerador do ICMS.
Também no caso analisado pela Copat/SC na resposta à Consulta 85/2012 não está caracterizado o fato gerador do ICMS. A matéria consultada é a reprodução de imagem e colocação de moldura, conforme especificação do encomendante, para seu próprio uso. Entretanto, o referido órgão consultivo entendeu equivocadamente que incide o ICMS e não o ISS: referindo-se ao produto entregue ao encomendante como “objeto decorativo fabricado sob encomenda”, argumentou que o interesse manifesto do cliente seria a compra do objeto decorativo e não a contratação de serviço, cuja prestação não subsistiria sem o bem em si mesmo. “O objeto da operação é a fabricação de artefato decorativo, conforme modelo e formato definidos pelo comprador (mercadoria sob encomenda, portanto)”. O parecer perdeu-se na distinção entre bem material e bem imaterial, sem reparar que para a caracterização do fato gerador do ICMS deve haver uma operação de circulação de mercadorias, seja ela material ou imaterial (veja decisão do STF sobre software de prateleira). Ora, se o bem encomendado destinava-se ao uso do próprio encomendante e não à mercancia, não houve operação de circulação de mercadoria, pois ele sequer chegou a caracterizar-se como mercadoria.