Velocino Pacheco Filho
O ICMS é um imposto plurifásico
não-cumulativo, ou seja: (i) incide em todas as fases do ciclo de
comercialização e (ii) o imposto devido em uma fase pode ser compensado com o
imposto que onerou a(s) fase(s) anterior(es). Este é o chamado “crédito” fiscal
do ICMS. Trata-se de um “crédito” especialmente vocacionado à liquidação do
débito tributário.
Ora, dispõe o art. 155, § 2º, II, “b”
da Constituição Federal que “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em
contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações
anteriores”. Se o “crédito” existe exclusivamente para compensar o imposto
devido, então, se não houver imposto devido (por causa da isenção ou da não
incidência), o “crédito” perde sua razão de existir, razão por que deve ser
estornado.
No mesmo sentido, o art. 23 da Lei
10.297/1996, de Santa Catarina, dispõe que “o crédito será apropriado proporcionalmente,
nos casos em que a operação ou prestação subsequente for beneficiada por
redução de base de cálculo”. Nesses casos, o tributo incide apenas
parcialmente, considerando que a base de cálculo é a expressão financeira do
fato gerador (a sua “perspectiva dimensível”, como dizia Geraldo Ataliba).
Com efeito, ensina Souto Maior Borges
que a s isenções podem ser totais e parciais. “As isenções totais excluem o
nascimento da obrigação tributária, enquanto que, nas isenções parciais, surge
o fato gerador da tributação, constituindo-se, portanto, a obrigação
tributária, embora o ‘quantum’ do débito seja inferior ao que seria devido se
não tivesse sido estabelecido preceito isentivo”.
Esse entendimento mereceu acolhida
junto ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 174.478, relator para o
acórdão o Min. Cezar Paluzo, em 17 de março de 2005, que entendeu tratar-se de
“favor fiscal que, mutilando o aspecto quantitativo da base de cálculo,
corresponderia à figura da isenção parcial, sendo aplicável, dessa forma, o
art. 155, § 2º, II, b, da CF/88, que determina a anulação do crédito relativo
às operações anteriores de isenção ou não incidência nas subsequentes".
Mais recentemente, a Segunda Turma do
STF, no AgRg no RE 471.511, rel. Min. Joaquim Barbosa (RDDT 200, p. 209, 2012)
reafirmou que:
“1. Segundo orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Fedeal, as figuras da redução da base de cálculo e da isenção
parcial se equiparam. Portanto, ausente autorização específica, pode a
autoridade fiscal proibir o registro de crédito de ICMS proporcional ao valor
exonerado (art. 155, § 2º, II, b, da Constituição”.
Em sede de doutrina, leciona Paulo de
Barros Carvalho (Teoria da Norma Tributária) que o legislador, na busca do
dimensionamento do fato que irá desencadear o vínculo jurídico, constitui uma
grandeza para medir a intensidade do comportamento do contribuinte e que,
juntamente com a alíquota vai constituir o critério quantitativo da respectiva
regra-matriz:
“Por base de cálculo entendemos aquela
grandeza instituída na consequência das endonormas tributárias e que se destina,
primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo
do fato jurídico e, como função paralela, confirmar o critério material da
hipóteses endonormativa”.
Assim, o legislador define “uma
grandeza para medir a materialidade do evento e um fator que lhe será aplicado
para a devida apuração do montante que satisfaz a pretensão do credor”. Essa
grandeza permite que se possa saber “a intensidade do comportamento humano que
a ela se relaciona”.
Conforme o mesmo autor (Curso de
Direito Tributário), as isenções estão contidas em regras de estrutura e não em
regras de comportamento, eis que não estão voltadas para o comportamento das
pessoas, nas suas relações de intersubjetividade, mas prescrevem o
relacionamento que as normas de conduta devem manter entre si.
Assim, “a regra de isenção investe
contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os
parcialmente”, ou seja, subtraindo parcela do campo de abrangência do critério
do antecedente ou do consequente. O fenômeno da incidência tributária resulta,
pois, do encontro da regra-matriz de incidência tributária com a regra de
isenção, “com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos
critérios da hipótese ou da consequência da primeira (regra-matriz)”.
Relembrando os conceitos, o
antecedente da norma de incidência tributária (regra-matriz) contém a descrição
do fato gerador (na acepção de hipótese de incidência) com seus três critérios
(material, espacial e temporal). Já o consequente abriga a obrigação
tributária, com seus critérios subjetivo (sujeitos ativo e passivo da
obrigação) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). A base de cálculo
dimensiona a intensidade do fato tributável, enquanto a alíquota determina a
intensidade com que a tributação incide sobre esse mesmo dimensionamento. A
alíquota representa a parcela do fato gerador, em sua perspectiva dimensível,
que constitui a incidência tributária.
Porém, quando o legislador faz incidir
a alíquota sobre apenas uma parte da base de cálculo, o tributo está atingindo
apenas uma parte do dimensionamento do fato gerador. A regra-matriz está sendo
mutilada apenas em parte do critério quantitativo, mais precisamente, atinge
apenas parte da base de cálculo. Isso permite conceituar que a redução da base
de cálculo do tributo implica dizer que a incidência do tributo é parcial ou, o
que é equivalente, que a isenção é parcial.
Redução de base de cálculo não se
confunde com alíquota. A alíquota (que mede a intensidade com que a tributação
atinge o fato gerador no seu aspecto dimensível) tem limitações, como, por
exemplo, a prevista no art. 155, § 2º, VI, da CF: as alíquotas internas não
poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais, cuja
competência, para fixar essas últimas é do Senado Federal.