Velocino Pacheco Filho
Qual a responsabilidade do Estado pelos danos causados ao contribuinte, devidos a resposta equivocada em consulta fiscal?
De modo geral, o Estado pode ser responsabilizado pelos danos patrimoniais ou morais que causar, caso em que será obrigado a pagar indenização para compensar os prejuízos causados. A indenização é devida tanto no caso do dano ser provocado por atos lícitos ou por atos ilícitos. Basta ficar comprovada relação de causa e efeito entre o procedimento do Estado e o dano. O dever de reparar o dano somente pode ser afastado em algumas hipóteses como no caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
A responsabilidade objetiva do Estado (independe da comprovação de dolo ou culpa) está prevista no § 6º do art. 37 da Constituição:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
De modo geral, são pressupostos do dever de indenizar (i) ação ou omissão, (ii) culpa ou dolo do agente, (iii) relação de causalidade e (iv) dano. Mas, a responsabilidade do Estado por atos de seus agentes é de natureza objetiva, ou seja, prescinde de comprovação da culpa.
Mas, se a responsabilidade do Estado é objetiva, bastando ficar comprovado o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano, a responsabilidade do agente é subjetiva. Ou seja, para que o funcionário responsável pelo dano seja obrigado a restitui ao Estado os valores pagos ao prejudicado a título de indenização (direito de regresso), deve ficar comprovada a sua culpa, em qualquer de suas modalidades (negligência, imperícia ou imprudência).
A responsabilidade do Estado por dano causado ao contribuinte em razão de consulta foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 131.741 SP, Segunda Turma (DJ 24-5-1996, Ementa vol. 1829, pp. 243):
TRIBUTÁRIO. CONSULTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS. Ocorrendo resposta à consulta feita pelo contribuinte e vindo a administração pública, via o Fisco, a evoluir, impõe-se-lhe a responsabilidade por danos provocados pela observância do primitivo enfoque.
Conforme justificação do voto do relator da matéria, Min. Marco Aurélio, não se concebe que a Administração Pública, na hipótese de equívoco – que afinal, para ela representou inegável vantagem – deixe de indenizar aquele que sofreu o correspondente prejuízo.
Assim, o Estado torna-se responsável pelos prejuízos causados ao consulente em razão de resposta equivocada ou ainda pela demora (omissão) em responder. Ficando demonstrado o nexo causal entre a resposta da Administração e o dano, a Administração fica obrigada a repará-lo, pagando a justa indenização.
Sobre a demora na resposta, a Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição, do seguinte teor: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A consulta fiscal é modalidade de processo administrativo não contencioso que, nos termos do art. 31, I, da Lei Complementar 313/2005, do Estado de Santa Catarina, devem ser respondidas no prazo máximo de noventa dias, prorrogável uma única vez, por igual período, fundamentadamente, sob pena de responsabilização funcional.
O parágrafo único do mesmo artigo acrescenta que a Administração Fazendária é administrativa e civilmente responsável por dano que a sua conduta, de acordo com a resposta à consulta, imponha ao contribuinte.
O eventual dano causado ao contribuinte pela demora do Fisco em responder à consulta pode ensejar indenização. Caso fique caracterizado que o dano deveu-se à culpa do servidor, em qualquer de suas modalidades, cabe ação regressiva contra o servidor.
Na mesma situação, estaria a resposta insuficiente, baseada em análise superficial e apressada da matéria consultada, apenas para livrar-se da incumbência. Um exemplo típico desse comportamento é a recusa de receber a consulta como tal, alegando que a matéria está tratada de modo claro na lei, bastando ao consulente uma leitura atenta.
Trata-se do conhecido e questionável brocardo in claris cessat interpretatio (quando a lei é clara não cabe interpretação). Mas, quando é que a lei é clara? Se a lei fosse auto-explicativa, de modo que a simples transcrição dos dispositivos legais resolvesse todas as dúvidas, não haveria necessidade de juízes. A hermenêutica seria uma ciência morta, pois qualquer beócio poderia aplicar a lei. Mas, a lei não pode ser aplicada mecanicamente: mesmo a lei aparentemente mais clara é plurívoca, albergando diversos sentidos possíveis. A tarefa do intérprete, pois, consiste na construção de significados, de acordo com o ordenamento jurídico e com as regras de hermenêutica.
A decisão jurídica não é fruto apenas da pura inferência lógica, mas da relação dialética do intérprete com o texto de lei, em busca da melhor interpretação para o caso concreto. Dizia Carlos Maximiliano que “obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia, todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como suscetíveis de interpretação”.
Assevera o mesmo autor que a afirmativa de ser a lei clara já constitui um exercício de interpretação: “a verificação da clareza, portanto, ao invés de dispensar a exegese, implica-a, pressupõe o uso preliminar da mesma. Para se concluir que não existe atrás de um texto claro uma intenção efetiva desnaturada por expressões impróprias, é necessário realizar prévio labor interpretativo”.
Com efeito, são raras as situações em que a consulta é absolutamente descabida e a dúvida ser dirimida com a simples leitura da legislação. Deve-se tomar como princípio a boa-fé do consulente. Somente em casos extremos, demasiado evidentes, a consulta pode ser recusada sob a alegação de clareza do texto legal. Isto porque o contribuinte tem o direito, constitucionalmente assegurado, de obter uma resposta do Fisco. A clareza da lei não se presume.
Fruto ainda dessa pressa de responder, a justificação da resposta pode se mostrar contraditória, inconsistente, ou simplesmente incoerente em relação aos seus fundamentos, sem a necessária e madura reflexão.
A resposta pode ainda conter um elemento malicioso, qual seja, o interesse arrecadatório da Administração. Com esse objetivo, a interpretação pode ser forçada, às vezes de modo contrário a texto expresso de lei, para fazer incidir a regra de tributação, com resultados frequentemente ridículos.
Vejamos o caso da substituição tributária, instituto que atribui a terceiro vinculado ao fato gerador a responsabilidade pelo recolhimento do tributo, com afastamento da responsabilidade do contribuinte. Conforme art. 121 do CTN, o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo, podendo ser (i) contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador ou (ii) responsável, quando sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Além disso, o art. 128 – apontado como fundamento da substituição tributária – dispõe que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa. Por fim, o § 7º do art. 150 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional 3/1993, para por fim à discussão sobre a constitucionalidade da substituição tributária “para frente” diz que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do imposto cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente”. Então, a substituição tributária deve estar expressamente prevista em lei e somente pode ser aplicada em seus estritos termos. Não se pode estabelecer substituição tributária por interpretação ou pelo uso de analogia ou qualquer outro motivo. A definição do sujeito passivo, inclusive por responsabilidade, é matéria reservada à lei que não pode ser modificada por decreto ou outro diploma de inferior hierarquia.
Temos, por exemplo, o caso do art. 227 do Anexo 3 do RICMS-SC que, com base nos Protocolos ICMS 196/2009 e 116/2012, submete ao regime de substituição tributária os materiais de construção, acabamento, bricolagem ou adorno, relacionados na Seção XLIX do Anexo 1. Não é permitido ao intérprete abstrair da finalidade para adotar como critério de enquadramento no regime apenas a descrição da mercadoria na legislação estadual e a respectiva classificação na NBM/SH. A inclusão no referido regime de mercadorias outras que não as destinadas à construção civil etc. corresponde a exigir tributo sem a devida autorização legal. A destinação da mercadoria, neste caso, é parte essencial da descrição feita pelo legislador da operação tributável cujo imposto deverá ser exigido do substituto.
O termo “bricolagem”, por sua vez, tem sido usado de modo abusivo, para exigir, por analogia, a antecipação do imposto sobre ampla variedade de mercadorias, desde fitas adesivas para confecção de embalagens até cravos para ferraduras. O conceito não pode ser tão aberto que abranja qualquer coisa, sob pena da sujeição passiva não ser mais determinada pela lei, mas pela fantasia do intérprete.
Outra situação emblemática refere-se ao conflito entre as esferas de incidência do ICMS e do ISS. O ICMS tem como fatos geradores as operações de circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte (exceto os intramunicipais) e comunicação. O fato gerador do ISS, por sua vez, é a prestação de serviços, exceto os submetidos ao ICMS (transporte e comunicação), definidos em lei complementar (lista de serviços). A regra é que os serviços constantes da lista submetem-se apenas ao ISS, mesmo que a prestação do serviço inclua o fornecimento de mercadorias, salvo se a própria lista ressalvar a incidência do ICMS sobre as mercadorias fornecidas.
Nesse caso está a confecção de banners, prevista expressamente no item 24.01 da lista de serviços anexa à LC 116/2003, sem qualquer ressalva sobre a incidência do ICMS sobre os materiais empregados (redação vigente). No entanto, contrariando respostas anteriores, foi respondido que seria devido o ICMS sobre a confecção de banners. Porque? Por uma interpretação viciada que confunde fatos distintos, senão vejamos. O item 85 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 56/1987 (texto revogado) dispunha sobre a tributação pelo ISS de “propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários (exceto sua impressão, reprodução ou fabricação)”. A mesma matéria está tratada no item 17.06 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, contudo sem qualquer ressalva sobre a incidência de ICMS. A resposta esdrúxula do Fisco resulta da confusão entre a redação do item 85 da lista anexa à Lei Complementar 56/1987, apesar de revogada, e a redação do item 24.1 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Ora, o Estado não pode pretender tributar os banners, porque (i) não existe ressalva na lista de serviços para incidir ICMS sobre os materiais fornecidos na prestação de serviços – a jurisprudência relativa ao período anterior à Lei Complementar 116/2003 não se aplica ao caso presente, (ii) a confecção de banners não guarda relação com prestação de propaganda e publicidade, envolvendo itens diferentes da lista de serviços, o 17.06 e o 24.01 e, finalmente (iii) o mesmo item 24.01 inclui serviço de chaveiro e confecção de carimbos. Ora ninguém pensaria em cobrar ICMS sobre serviço de chaveiro ou sobre confecção de carimbos, logo também não poderá cobrá-lo sobre confecção de banners, assumindo que os serviços enumerados no mesmo item da lista tenham o mesmo tratamento tributário.
Como o serviço se restringe à confecção de banners, também não podemos falar em “comunicação” visual que, para sua caracterização, é preciso que a exposição ao público seja realizada pelo prestador do serviço e não pelo encomendante do banner.
Nesse caso, a resposta equivocada da Administração Tributária produz um duplo prejuízo: para o contribuinte, do qual é exigido um imposto que não deve, e para o Município, que deixa de receber o tributo que lhe é devido.
Concluindo, cabe indenização no caso da resposta à consulta resultar em prejuízo para o consulente. Se o dano for causado pelo servidor ou pelo órgão responsável por responder às consultas fiscais, agindo com negligência, imperícia ou imprudência, cabe ao Estado promover ação regressiva contra o servidor ou servidores integrantes do referido órgão. Se a responsabilidade do Estado é objetiva, a do servidor não é: deve ficar provado que o servidor, ao menos, agiu culposamente.