Cancelamento da inscrição no cadastro de
contribuintes como forma de sanção
Velocino Pacheco Filho
De tempos em tempos alguém sugere,
como sanção pelo cometimento de infrações, nem sempre contra a ordem
tributária, o cancelamento da inscrição do infrator no cadastro de
contribuintes do ICMS.
Assim, já foi sugerido cancelar de
ofício a inscrição no cadastro de contribuintes de quem vende gasolina
adulterada, de quem comercializa produtos “pirateados” e assim por diante.
Será que os proponentes de tais medidas
pensam realmente que os comerciantes não vão mais praticar essas infrações por
medo de perderem sua inscrição no cadastro do ICMS?
O cadastro de contribuintes foi criado
no interesse do Fisco. Seu objetivo é manter o controle sobre quem pratica
operações de circulação de mercadorias ou prestações de serviço de transporte e
comunicação. Interessa ao Fisco que todos estejam cadastrados.
O efeito do cancelamento da inscrição
no cadastro é jogar o infrator na informalidade. Passa a operar na
informalidade, não por vontade própria, mas porque o poder público assim quis. Ele
foi condenado a ser informal.
O interesse do Fisco é que todos
estejam cadastrados, emitam notas fiscais, entreguem todas as declarações
exigidas pela legislação e possam ser vigiados de modo a inibir as práticas
irregulares. Mas se a inscrição cadastral é cancelada de ofício, ele fica livre
para cometer ilícitos, pois o Poder Público não o está vigiando. Se está na
clandestinidade, não precisa mais emitir notas fiscais, nem entregar
declarações ao Fisco, informando-o sobre suas atividades. Para quem opera
irregularmente, isso não é punição; é um presente.
Poderiam, contudo, objetar que o
infrator enfrentaria dificuldades em trabalhar informalmente. O cancelamento da
inscrição cadastral constituiria, assim, um obstáculo ao exercício do comércio
e nisso consistiria a punição.
Ora, a Constituição Federal inclui
entre os direitos e garantias fundamentais a liberdade de trabalho, ofício ou
profissão (CF, art. 5], XIII). Além disso, o parágrafo único do art. 170 da Lei
Maior, tratando da ordem econômica, assegura “a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
A ressalva aos casos previstos em lei
a que se refere o constituinte diz respeito a profissões que exigem
determinadas qualificações, como o exercício da medicina, engenharia e outras
em que a falta de qualificação poderia acarretar grave prejuízo para a
coletividade. Nos demais casos, não cabe ao Poder Público impedir o exercício
de atividade econômica.
O contribuinte que comete infração contra
a legislação tributária deve ser punido com a exigência do tributo acrescido de
multa, juros e correção monetária, mas não deve ser impedido de comercializar.
Muito pior é querer cancelar de ofício
a inscrição no cadastro de contribuintes por infração que não é tributária,
como a adulteração de combustível ou a comercialização de mercadorias “pirateadas”.
Por essas infrações, devem ser aplicadas sanções apropriadas, sem envolver a
fiscalização de tributos, mesmo por que a comercialização de combustíveis
adulterados ou de mercadorias “pirateadas” não afasta a exigência dos tributos
devidos (pecunia non olet).