SER OU NÃO SER: EIS A NOTIFICAÇÃO!
Fabiano Ramalho
Qual o limite entre ficção e realidade? É possível que o Direito
seja tão perigosamente dramático? Eis que, senão de repente, vivemos um verdadeiro
drama shakespeariano no sistema tributário catarinense. Me refiro à possibilidade
do contribuinte pagar parcialmente o débito fiscal, no prazo para a
apresentação da defesa prévia, aproveitando-se da redução de 70% da multa, nos
termos do art. 68-A, da Lei n° 5.983/81.
Ou melhor, me refiro à impossibilidade de fruição desse
benefício, posto que a norma em comento exige o pagamento integral do débito como
pressuposto para que o contribuinte obtenha o desconto. Ou seja, se quiser garantir
os 70% de redução da multa, terá que pagar integralmente o débito, inclusive a
parte com a qual não concorda. Fica, então, num triste dilema entre pagar agora
com desconto ou apresentar defesa prévia e correr o risco de pagar
posteriormente, sem a benesse.
Ser ou não ser, eis a questão! Mas o que há de justo e
perfeito em uma norma que impõe uma
escolha tão cruel? É verdade que o Direito é mais ou menos injusto, mas
como aceitar que também possa ser mais ou menos inconstitucional? Há algo de
podre no reino da Dinamarca, diria o dramaturgo inglês. Ora, se colocamos o
contribuinte em conflito consigo mesmo, estimulando-o, na melhor das hipóteses,
a abdicar do seu sagrado direito de defesa, em prol de uma vantagem imediata e
prática, como prestaremos contas ao Constituinte originário, que positivou em
norma fundamental o Direito de Petição (art. 5º, XXXIV, a) e o contraditório e
a ampla defesa (art. 5°, LV)?
O contribuinte tem o direito de impugnar o crédito
tributário, mas é seduzido de forma imoral e quase irresistível ao não exercício
desse direito, por conta da tentação representada pelo elevado desconto, em
caso de pagamento integral e imediato.
O sistema ideal, que se inspirasse verdadeiramente no “suum cuique tribuere” de Ulpiano, seria
aquele em que a razão do contribuinte fosse inversamente proporcional à sua
disposição de "pagar com desconto e não discutir". Mas não é o que
temos aqui. Por conta das inseguranças jurídicas que nos permeiam e assombram
constantemente, frutos do manicômio jurídico da nossa legislação do ICMS, as razões
e certezas se esvaziam e se dissipam de forma dramática, forçando, por assim
dizer, o contribuinte a fazer uma transação medíocre e estúpida com o Estado: “Eu
pago tudo e desisto de me defender e, em troca, o Estado me deixa em paz”.
Se a vida de fato imita a arte, é certo que já tivemos
dramas melhores. Fica aqui, portanto, um manifesto por uma ética tributária
verdadeira, que estimule uma cidadania fiscal plena. Algo que seja menos fatalista
e mais romântico. Era uma vez, então, no reino brazillis, uma dramaturgia meio justa e meio decente, que, de repente,
se transformou numa tragédia shakespeariana, com perversas sutilezas, mas que
nunca perdeu a esperança de redenção.