DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Valor da operação entre empresas interdependentes

Velocino Pacheco Filho

Conforme dispõe o art. 13, I, da Lei Complementar 87/1996, a base de cálculo do ICMS, nas operações de saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, na transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou na transmissão da propriedade de mercadoria quando não transitar pelo estabelecimento transmitente, é o valor da operação. Leciona Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 345) que o valor da operação, “na imensa maioria dos casos, é a compra e venda feita pelo produtor ou comerciante”. Roque Antonio Carrazza, por sua vez, entende que “a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil realizada” (ICMS. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 73).

No mesmo sentido, leciona José Eduardo Soares de Mello (ICMS e IPI na Importação: questões polêmicas, RDT 65, p. 161) que:

A base de cálculo deve ater-se, irrestritamente, aos parâmetros constitucionais, e, peremptoriamente, ao fato imponível, sendo certo que a materialidade de cada tributo, por si só, é suficiente para medir normativamente o quantum a ser devido pelo sujeito passivo da obrigação.
Não padece dúvida de que a valoração ínsita à base de cálculo deve ser sempre (dogmaticamente mesmo) haurida no respectivo fato jurígeno, compreendido na materialidade disposta na Constituição.

Em síntese, na maioria dos casos, o valor da operação nada mais é que o preço acertado entre comprador e vendedor. Em princípio, prevalece a liberdade de contratar, ou seja, dos intervenientes no negócio estipularem o preço que melhor atenda aos interesses recíprocos.

No entanto, tratando-se de operação entre empresas interdependentes – assim definidas quando uma delas, por si, seus sócios ou acionistas e respectivos cônjuges ou filhos menores detiver mais de 50% do capital da outra – não podemos falar em preço livremente acertado entre as partes. Pelo contrário, como as empresas fazem parte de um mesmo grupo, o preço será determinado conforme a conveniência do grupo. O preço praticado pode, inclusive, ser subfaturado, com reflexo sobre a arrecadação. 

As regras relativas à transferência – como as que constam do § 4º do referido art. 13 – não se aplicam ao caso, pois são específicas para saídas destinadas a estabelecimento localizado em outra unidade da Federação, pertencente ao mesmo titular.

Contudo, dispõe o art. 15 do mesmo diploma legal que, não havendo valor da operação, em substituição aos critérios previstos no caput do art. 13, deverá ser adotado:

a) o preço corrente da mercadoria, ou de seu similar, no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia elétrica;

b) o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja industrial; ou

c) o preço FOB estabelecimento comercial à vista, na venda a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante. 

Acrescenta o § 1º desse artigo que, nas hipóteses (b) e (c), deverá ser adotado o preço efetivamente cobrado pelo estabelecimento remetente na operação mais recente. Caso o remetente não tenha efetuado venda de mercadoria, o valor da operação deverá ser o preço corrente da mercadoria ou de seu similar no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional.

No caso do remetente não efetuar vendas a outros comerciantes ou industriais ou, em qualquer caso, se não houver mercadoria similar, manda o § 2º que a base de cálculo deverá ser equivalente a 75% do preço de venda corrente no varejo.

Ora, as operações entre empresas interdependentes correspondem exatamente à situação prevista no art. 15: não existe um “preço” acordado entre as partes, mas o preço pode ser fixado ao inteiro alvedrio do grupo empresarial envolvido. Mas no interesse das finanças publicas, inclusive para fins de cálculo da participação dos Municípios, o valor da operação não pode ficar sem qualquer regramento. Limites devem ser colocados para que o valor fique em torno de um “preço de mercado”, conforme os critérios fixados no art. 15 da LC 87/96.


segunda-feira, 12 de setembro de 2016

ICMS-ST: distinção entre restituição e ressarcimento

Velocino Pacheco Filho
Qual a distinção entre restituição e ressarcimento? A restituição é a devolução do tributo pago indevidamente, conforme arts. 165 a 169 do Código Tributário Nacional.

No caso da substituição tributária “para frente”, o § 7º do art. 150 da Constituição Federal assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. A legislação tributária catarinense trata da restituição, relativamente à substituição tributária “para frente”, no art. 26 do Anexo 3 do RICMS-SC. 

Já no caso de ressarcimento, diversamente da restituição, trata-se de imposto devido. Apenas o sujeito ativo é outro, diverso daquele a quem foi efetuado o pagamento.

Quando isso acontece? 

A hipótese é de substituição tributária “para frente”, em que o imposto foi recolhido antecipadamente a favor de um Estado, quando a mercadoria for revendida a destinatário estabelecido em outro Estado.

Relembrando, na substituição tributária “para frente”, conforme definido no já mencionado § 7º, a lei atribui a sujeito passivo do imposto a responsabilidade pelo pagamento de imposto cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente. Então, ao contribuinte substituto cabe o recolhimento antecipado do imposto devido pelas operações subsequentes, até o consumidor final (fato gerador presumido) que encerra o ciclo de comercialização da mercadoria. 

Contudo, se o contribuinte substituído catarinense revender a mercadoria para destinatário estabelecido em outro Estado, o imposto recolhido antecipadamente não será mais devido a Santa Catarina, mas ao Estado onde localizado o destinatário. Logo, o contribuinte deverá efetuar nova retenção em favor do Estado de destino e, por conseguinte, proceder ao ressarcimento do imposto retido originalmente em favor de Santa Catarina. 

Restituição e ressarcimento, como visto, são coisas distintas que não se confundem. Daí que disposições relativas à restituição não se aplicam ao ressarcimento e vice-versa. 

O ressarcimento rege-se, em princípio, pelo art. 24 do Anexo 3 do RICMS-SC: “o contribuinte que, tendo recebido mercadoria com imposto retido por substituição tributária a favor deste Estado, efetuar nova retenção em favor de outro Estado ou do Distrito Federal, solicitará o ressarcimento do imposto retido na operação anterior através de requerimento endereçado à Gerência Regional a que jurisdicionado”. Conforme § 2º desse artigo, “de posse da cópia do despacho no processo e da nota fiscal referida no § 1º, V, o estabelecimento que efetuou a primeira retenção poderá deduzir, do recolhimento seguinte que efetuar em favor deste Estado, o imposto ressarcido”. Ou seja, o ressarcimento toma a forma de uma autorização para que o contribuinte substituto, que efetuou a primeira retenção – a favor de Santa Catarina –, deduza o imposto originalmente antecipado do recolhimento seguinte que efetuar em favor de Santa Catarina. Parece óbvio que a autorização é para compensar imposto retido por substituição tributária com imposto devido por substituição tributária.

Contudo, o art. 25 do mesmo anexo, alternativamente à forma prevista no art. 24, permite que o ressarcimento seja efetuado por meio de crédito em conta gráfica do imposto destacado e retido. Esclarece o parágrafo único desse artigo que o imposto originalmente retido a título de substituição tributária “poderá ser utilizado para compensação com imposto próprio do estabelecimento ou com eventual imposto devido por substituição tributária ao Estado”.

Então, enquanto a forma de ressarcimento prevista no art. 24 permite a compensação apenas com imposto devido por substituição tributária, a forma prevista no art. 25 permite que a compensação se dê também com o imposto próprio do estabelecimento.

Entretanto, o art. 25-A, acrescido pelo Decreto 1.593/2008, trouxe uma terceira forma de ressarcimento, mediante regime especial concedido pelo Diretor de Administração Tributária. O ressarcimento poderá ser feito de forma diferenciada ao remetente das mercadorias, por fornecedores adrede indicados, para os quais será emitida nota fiscal, consignando o valor do imposto a ser ressarcido. Conforme § 5º do mesmo artigo, o fornecedor, de posse da referida nota fiscal, “poderá deduzir o valor nela constante do próximo recolhimento que fizer a este Estado independentemente de prévia autorização do Fisco”.

Ora, o fornecedor, no caso, é o contribuinte substituto que efetuou a primeira retenção do ICMS-ST a favor de Santa Catarina. Tanto o procedimento previsto no art. 25 quanto o previsto no art. 25-A são formas alternativas de ressarcimento à forma prevista no art. 24. Sendo formas alternativas, cada uma tem suas próprias regras que não são intercambiáveis. Apenas a forma prevista no art. 25 admite expressamente que o ICMS-ST possa ser usado para compensar o ICMS próprio do estabelecimento. Portanto, infere-se, da leitura sistemática dos dispositivos envolvidos, que, na falta de permissão expressa, apenas o ICMS-ST pode ser compensado, no caso de ressarcimento na forma do art. 25-A.