Fabiano Ramalho
Como
se sabe, a relação de sujeição tributária não é contratual ou reparatória: ela
decorre pura e simplesmente da Lei, que precisa estar perfeitamente espelhada
no fato concreto para ser aplicada. Portanto, na relação jurídico-tributária,
não estamos diante de um mero confronto entre credor e devedor, como ocorre
naturalmente no Direito Privado. Nessa relação, o Estado e, consequentemente, a Administração
Tributária, é muito mais do que isso.
A par de sua função de arrecadar tributos, o Estado tem a função fundamental de garantir a segurança jurídica dos administrados em geral e, particular, os direitos e deveres dos contribuintes. E a fiscalização tributária,
como agente desse sistema, não só pode como deve atuar com essa premissa. Ou seja, em
determinados casos, no exercício dessa função garantidora da segurança
jurídica, o Fiscal tem não apenas a opção, mas o dever de não notificar o
contribuinte e, mais do que isso, de declarar que aquele período e aquele objeto da fiscalização está correto e não será mais alvo de investigação futura pelo Fisco.
De uma forma geral, ainda que com diferentes enfoques, tudo o que mais deseja um operador consciente e lúcido do Direito Tributário (seja auditor-fiscal, juiz, advogado, empresário, etc.) é a existência de uma Justiça Fiscal plena e efetiva; de uma tributação com qualidade; de uma relação juridico-tributária baseada em princípios de cidadania, da moral e da ética. De um lado, que aquilo que é devido seja pago o quanto antes; de outro lado, que aquilo que é indevido não seja exigido.
Nesse sentido, é de suma importância uma renovação da prática desses operadores. Se, por exemplo, a função própria do auditor-fiscal da Fazenda é a constituição do crédito tributário, então que isso seja bem feito e não fique sujeito ao cancelamento ou nulidades posteriores. A elevada taxa de cancelamentos de notificações fiscais nos Tribunal Administrativos nos revela que essa renovação é mais do que necessária, mas indispensável para a saúde do sistema tributário, tanto para o Estado, para melhorar a eficiência de sua arrecadação, quanto para o contribuinte, para livrar-se de indesejado cerceamento de defesa e de outros absurdos ainda hoje praticados pela Administração Tributária.
Ao mesmo tempo que a Lei determina, por exemplo. a competência exclusiva do auditor-fiscal para constituir o crédito tributário, ela também lhe impõe, implicitamente, o dever de não notificar, sobretudo nos casos em que não houver perfeita subsunção do fato à norma. É essa a mens legis e é preciso ter coragem e uma certa maturidade na relação jurídico-tributária para enfrentar essa mudança de paradigma e assumir, na prática, a responsabilidade pela segurança jurídica e objetividade extrema na atuação do agente fiscal. Preservar a qualidade da relação de sujeição tributária é, sobretudo, uma questão de cidadania, indissociável dos fins do Estado e que deve permear a praxis do seu mais simples agente.
Caso contrário, teremos cada vez mais notificações fiscais contendo vícios intrínsecos, que acabarão sendo canceladas, com graves consequências para o sistema tributário e para a economia. E ainda que o Tribunal Administrativo faça “vista grossa” para determinados erros e mantenha a notificação, ela certamente não resistirá ao Judiciário. Daí, então, teremos perdido todo esse tempo e recursos em decorrência de falhas que deveriam ter sido evitadas ou com o fortalecimento da prova e dos elementos tipificadores da infração, ou, pura e simplesmente, com a singela, porém objetiva e madura decisão de não notificar.
Assim, diante de uma notificação fiscal que não detém a melhor prova ou tipificação, temos duas possibilidades: 1) aplicamos maior diligência e rigor na apuração dos fatos e na coleta das respectivas provas, realizando, assim, os fins arrecadatórios do Estado, ou, 2) ante a evidência concreta de que não é possível demonstrar plenamente a infração, porque não há certeza dos fatos diante das provas existentes, deixamos de notificar o contribuinte, realizando, assim, os fins estatais de garantidor da segurança jurídica.
Nos dois casos, haverá uma atuação positiva do agente fiscal, não havendo que se falar em omissão, com enormes ganhos em termos de desenvolvimento democrático e jurídico, sem contar a melhoria que ocorrerá em termos de eficiência arrecadatória, com o engrossamento dos índices de manutenção, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, das notificações fiscais expedidas em face de infrações à legislação tributária, demonstradas de forma robusta e inequívoca.