A extinção do crédito tributário
mediante transação entre o Fisco e o sujeito passivo
Velocino Pacheco Filho
O art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe
que “a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e
passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões
mútuas, importe em terminação de litígio e conseqüente extinção de crédito
tributário”. O parágrafo único do mesmo artigo acrescenta que “a lei indicará a
autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.
A aplicação da transação, portanto, requer a presença
concomitante dos seguintes requisitos: (i) expressa previsão em lei; (ii)
existência de litígio e (iii) concessões mútuas.
Embora prevista no CTN, a transação é pouco utilizada
e, nos poucos casos em que se procurou disciplinar o instituto, acabou-se por
designar como transação o parcelamento ou a dação em pagamento o que, é óbvio,
não constituem transação.
Segundo Aliomar Baleeiro, a transação exige da
autoridade fazendária “critério elevado e prudência acurada”. Isto por que só
pode ser celebrada, “com relativo discricionarismo administrativo na apreciação
das condições, conveniência e oportunidade, se a lei lhe faculta e dentro dos
limites e requisitos por ela fixados”.
Já a apreciação de Eduardo Marcial Ferreira Jardim é
mais radical. Segundo este autor, não há, nos lindes da tributação, lugar para
a transação. Argumenta que “o aludido instituto afigura-se incompatível com as
premissas concernentes à tributação, dentre elas a necessária
discricionariedade que preside a transação e a vinculabilidade que permeia toda
função administrativa relativa aos tributos”.
Com efeito, nos termos do art. 3º do CTN, a obrigação
tributária é “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” e
o parágrafo único do art. 142 determina que “a atividade administrativa de
lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.
O problema todo, portanto, reside nas “concessões
mútuas” que, no caso da Fazenda Pública, se choca com o princípio da
indisponibilidade do crédito tributário: a administração tributária não teria
competência para dispor discricionariamente do crédito tributário.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, “o princípio da
indisponibilidade dos bens públicos impõe seja necessária previsão normativa
para que a autoridade competente possa entrar no regime de concessões mútuas,
que é da essência da transação”.
Na lição de Diógenes Gasparini, os bens, direitos,
interesses e serviços públicos não estão à livre disposição dos órgãos
públicos, “a quem cabe apenas curá-los, ou do agente público, mero gestor da
coisa pública”. O crédito tributário é público e indisponível: “somente a lei
pode dele dispor”, sentencia Sacha Calmon Navarro Coêlho.
No entanto, apesar das bem ponderadas objeções de
Ferreira Jardim, o legislador previu, entre as modalidades de extinção do
crédito tributário, a transação celebrada pelos sujeitos ativo e passivo. Ora,
não é permitido à Administração afastar a aplicação de dispositivo integrante do
ordenamento jurídico, sem que tenha sido declarada a sua incompatibilidade com
o ordenamento pelo Poder competente.
O problema, como dito, reside nas concessões por parte
da Fazenda, frente à indisponibilidade do crédito tributário. Ora, a
indisponibilidade do crédito tributário decorre da presunção de certeza e
liquidez que lhe é atribuída. Essa presunção é que torna a Certidão de Dívida
Ativa um título executivo extrajudicial, dispensando, na execução fiscal, o
prévio processo de conhecimento. Contudo, essa presunção não é absoluta. Há
valores que compõe o crédito tributário que abrigam alguma incerteza: é o caso
do arbitramento da base de cálculo pela autoridade fiscal. Outras incertezas
podem envolver a alíquota aplicável, a penalidade e sua graduação, a correção
monetária ou ainda tratamentos tributários diferenciados, tais como o regime do
Simples Nacional, as isenções, créditos presumidos, substituição tributária
etc.
Pelo simples fato do agente notificante exigir determinada
soma do contribuinte, à título de crédito tributário, não quer dizer que não possa
haver alguma margem de incerteza e, portanto, não podemos falar, nesse caso, de
indisponibilidade da coisa pública como um absoluto.
Com efeito, o ordenamento jurídico tributário
reconhece ao sujeito passivo o direito de impugnar o crédito tributário
exigido, desencadeando o processo de verificação da legalidade dessa exigência.
Temos aqui amplo espaço para a transação. Se a base de
cálculo do imposto não se baseia em documentos que revelam o real valor da
operação, mas foi arbitrada pela autoridade administrativa, entendo
perfeitamente possíveis concessões por parte da Fazenda, sem ferir o princípio
da indisponibilidade do crédito tributário. O arbitramento compreende certa
margem de discricionariedade da autoridade fazendária na escolha dos critérios
e parâmetros adotados. O próprio art. 148 do CTN prevê o direito do sujeito
passivo à avaliação contraditória, no caso de contestação administrativa ou
judicial.
Esse último ponto nos leva a uma última indagação: a
transação somente pode ser invocada em sede de processo judiciário ou pode ser
utilizada na fase de impugnação administrativa do crédito tributário (controle
da legalidade dos atos da administração)? No entendimento de Hugo de Brito
Machado, a transação somente pode ter lugar na discussão perante o Poder Judiciário,
pois, como os órgãos de julgamento integram a própria Administração Pública, o
processo administrativo fiscal representa apenas um controle interno da
legalidade do lançamento, não restando caracterizada ainda a pretensão da
Fazenda, a ensejar uma lide.
Em qualquer hipótese, a transação, se utilizada com
critério, pode tornar-se um instrumento eficiente para a solução rápida de
conflitos tributários e, por via de conseqüência, para o ingresso de recursos
no Erário.