Velocino Pacheco Filho
Uma fonte permanente de incerteza, nas relações entre Fisco e contribuintes, é a morosidade do processo de impugnação do crédito tributário. A Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou aos direito fundamentais “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Resta adotar as medidas que tornem realidade esse novo direito. Não seria bom se houvesse algo como um “juizado administrativo de pequenas causas tributárias”?
O art. 156, III, do CTN, prevê a transação como modalidade de extinção do crédito tributário. Trata-se de instituto análogo ao previsto no art. 840 do Código Civil: “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Contudo, diversamente do que ocorre no direito civil, a transação no direito tributário (i) depende de lei que a autorize e (ii) somente é possível no caso de terminação de litígios (não há transação para prevenir o litígio).
Dispõe o art. 171 do CTN: “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção do crédito tributário”.
Conforme art. 10 da Lei Complementar 24/1975, as condições gerais para a concessão de transação por um Estado-membro serão definidas por convênio. No entanto, a Cláusula Quinta do Convênio ICM 24/75 dispõe apenas que a transação será permitida em “casos excepcionais de que não resulte dispensa de tributo devido”.
O que sempre frustrou a adoção da transação no direito tributário é precisamente as “concessões mútuas”, já que o Fisco está sujeito ao princípio da indisponibilidade da coisa pública. Conforme Paulo de Barros Carvalho, “o princípio da indisponibilidade dos bens públicos impõe seja necessária previsão normativa para que a autoridade competente possa entrar no regime de concessões mútuas, que é da essência da transação”.
Ensina Diógenes Gasparini que os bens, direitos, interesses e serviços públicos não estão à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública.
Já segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, na esfera do direito privado prevalece o império da vontade das partes, que podem livremente dispor de seus direitos o que não acontece no direito tributário em que o crédito tributário é público e indisponível: “somente a lei pode dele dispor”. Isto por que transacionar não é pagar, é procedimento para possibilitar o pagamento.
O litígio a que se refere o CTN, pressupõe discussão em juízo ou será admissível a transação no processo administrativo? Na opinião de Hugo de Brito Machado, a transação tem aplicação restrita aos créditos tributários discutidos perante o Poder Judiciário. O litígio, segundo ele, caracteriza-se pela resistência de um dos sujeitos da obrigação tributária à pretensão do outro. Os órgãos de julgamento administrativo integram a própria Administração Pública, de sorte que no processo administrativo fiscal faz-se apenas o controle interno da legalidade do lançamento. Antes de ser este definitivo para a própria Administração não se pode dizer que existe uma pretensão desta a ensejar resistência do contribuinte.
Por outro lado, se considerarmos a cientificação do lançamento ao sujeito passivo como manifestação da pretensão impositiva do Fisco, poderíamos entender a transação como forma alternativa de resolução do conflito, ainda que na esfera do contencioso tributário administrativo.
Ora, alguns países – Portugal, por exemplo – têm adotado com sucesso a técnica da arbitragem na solução de conflitos tributários. A adoção do juízo arbitral tem se mostrado eficiente em impor maior celeridade aos processos, bem como em reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos. A transação abre caminho para esse tipo de solução.
Constituído o crédito tributário, o contribuinte pode (i) impugnar administrativamente o lançamento ou (ii) esperar a execução fiscal para então opor embargos ou exceção de pre-executividade, se for o caso. Poderíamos acrescentar uma terceira possibilidade: tratando-se de crédito tributário até determinado valor, o sujeito passivo poderia protocolar junto às autoridades administrativas pedido de transação.
A lei que criar a arbitragem administrativa, por conseguinte, deverá (i) fixar o valor máximo do crédito tributário que poderá ser objeto de arbitragem, (ii) definir a autoridade competente para celebrar a transação, (iii) as condições que permitam a celebração de transação; e (iv) qual o limite das concessões pela Fazenda Pública.
A cláusula quinta do Convênio ICM 24/75 determina que a transação não poderá resultar em dispensa do tributo devido. Então o Fisco tem como campo aberto à transação os valores relativos à multa, juros e correção monetária. No tocante ao tributo, a transação deverá ficar restrita ao que for incerto. É o caso, por exemplo, da base de cálculo arbitrada pela autoridade fazendária, nos termos do art. 148 do CTN.
O termo de transação, subscrito pelo Fisco e pelo sujeito passivo, poderá ainda definir o prazo de recolhimento do tributo ou conceder parcelamento. Porém, no caso de inadimplência do sujeito passivo o crédito tributário deve ser executado imediatamente.
A validade da transação pode, por outro lado, ser condicionada à homologação pelo Secretário da Fazenda, pelo Procurador Fiscal ou pelo Presidente do tribunal administrativo.
Outra possibilidade é adotar efetivamente a arbitragem, caso em que a lei deve definir os critérios de escolha dos árbitros. O termo de arbitragem, nesse caso, deve ter o mesmo efeito da decisão definitiva do tribunal administrativo.
Desse modo, o contencioso administrativo pode ser aliviado dos processos de pequeno valor, podendo, então, se concentrar nos processos realmente significativos.