DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

O emprego da analogia

Velocino Pacheco Filho

O art. 12. I, da Lei 3.938/1966, de Santa Catarina, trata a analogia como “método ou processo supletivo de interpretação”, enquanto o art. 108, I, do Código Tributário Nacional, dispõe que a analogia será utilizada pela autoridade competente para aplicar a legislação tributária, na ausência de disposição expressa.

Há uma divergência básica entre o texto do CTN e o da lei catarinense: enquanto para a lei catarinense, a analogia é um método supletivo de interpretação, para o CTN, trata-se, indubitavelmente de integração.
 
Ora, a integração da legislação difere fundamentalmente da interpretação.

A interpretação refere-se ao sentido da norma, enquanto na integração não existe norma. Na integração, a norma – supondo a completude do ordenamento – deve ser construída a partir do próprio ordenamento, para dar efetividade ao art. 5º, XXV da Constituição (inafastabilidade do controle jurisdicional), ou seja, trata-se da proibição do non liquet.

Em primeiro lugar, devemos considerar que a falta de norma nem sempre é motivo para a integração do direito, mediante o emprego da analogia ou de outro método integrativo. É o caso do “silêncio eloquente” da lei: “quando a lei quis, disse; quando não quis, guardou silêncio”.

A falta de norma – que permita a integração – deve caracterizar uma lacuna ou incompletude do ordenamento. O direito existe para regular todas as condutas humanas – observa Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 176) – mas, em determinado momento pode não ser completo. Podem existir momentos de incompletude, na relação entre norma e fato – já que a norma não pode abranger toda a complexidade do mundo real. Mas, o ordenamento, porque não pode conviver com fatos não previstos, tende à completude. Se o ordenamento não é completo, ele é completável, e o próprio ordenamento se encarrega de prever as regras para que se completem os vazios.

Sobre o tema, leciona Miguel Reale (Filosofia do Direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 565):

É o ordenamento jurídico no seu todo que é pleno (visto como nenhum juiz pode deixar de sentenciar sob pretexto de lacuna ou obscuridade da lei – Código de Processo Civil, art. 126) e não o mero “sistema de legislação” como tal, pois até mesmo o legislador reconhece e proclama omissões inevitáveis da lei, determinando que, sendo ela omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (Lei de Introdução ao Código Civel, art. 49).
Recorrendo-se aos costumes, à analogia e aos princípios gerais do Direito integra-se o sistema legal, que se atualiza assim, como experiência ou ordenamento jurídico; donde se há de concluir que uma regra jurídica não pode nem deve ser tomada de per si, como se fosse uma proposição lógica em si mesma inteiramente válida e conclusa, pois o seu significado e a sua eficácia dependem de sua funcionalidade e de sua correlação com as demais normas do sistema, assim como do conjunto de princípios que a informam.

Conforme Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 263), o importante é determinar as circunstâncias em que se apresenta uma lacuna no direito. Presume-se a existência de uma lacuna apenas quando a ausência de norma é considerada indesejável pelo órgão responsável pela aplicação do direito, do ponto de vista da política jurídica.

Então, somente se pode pensar em integração da legislação na presença de uma lacuna. O primeiro método de integração da legislação tributária é a analogia, conceituada por Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Polis; Brasília: UnB, 1989, p. 151) como “o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante”. No entanto, para atribuir ao caso não-regulamentado as mesmas consequências jurídicas do caso regulamentado semelhante “é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante”, ou seja, “razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências”. O caso regulamentado e o não-regulamentado devem ter em comum a mesma ratio legis.

Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª e. Rio de Janeiro: Forense, 1988. pg. 208) fala em uma semelhança essencial entre as duas situações, da qual dependem todas as conseqüências merecedoras de apreço na questão discutida. Limongi França por sua vez (Hermenêutica Jurídica. 7ª e. São Paulo: Saraiva, 1999, pg. 45) leciona que deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto e que a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis.

Para aplicação da analogia, portanto, devemos responder às seguintes questões:

a) existe lacuna, no sentido da a falta de norma específica constituir uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico tributário? Em outras palavras, a falta de norma para o caso em tela acarreta uma injustiça evidente, de acordo com os critérios de justiça previstos no ordenamento?

b) existe um elemento de identidade entre as duas situações (a normada e a não-normada) e que consiste na sua ratio legis?