Velocino Pacheco Filho
Devemos
reconhecer que a adoção da informática pelo Fisco provocou uma verdadeira
revolução nos métodos, nas técnicas e nos resultados do trabalho fiscal.
Podemos até dizer que a informática tem modificado a própria maneira de pensar
dos agentes do Fisco.
A
não muito tempo atrás, o trabalho fiscal era, sobretudo, manual, compreendendo
a conferência física de livros e documentos fiscais, muitas vezes manuscritos,
e intermináveis operações de adição. O célebre “lamber nota” fazia parte da
rotina diária.
A
informática veio introduzir maior agilidade e rapidez no processamento dos
dados brutos, permitido o manejo de grandes volumes de dados. Enquanto antes se
trabalhava com amostragens relativamente reduzidas das operações do contribuinte,
hoje se pode examinar a quase totalidade dessas operações, com muito maior
precisão e em muito menor tempo. A integração dos bancos de dados permite
conferir grandes volumes de documentos fiscais, como, por exemplo, os relativos
às mercadorias e insumos recebidos de seus fornecedores, inclusive quando
vindos de outros Estados. Inovações como a nota fiscal eletrônica, o emissor de
cupom fiscal (ECF), o SPED fiscal, entre outras, deram ao Fisco muito mais
controle sobre as atividades do contribuinte. A informática deu ao Fisco esse
poder.
Contudo,
com certa frequência, o “sistema” informatizado entra em choque com o direito
tributário. O “sistema” não aceita procedimentos que não estiverem previstos,
mesmo que resultem de decisão judicial ou de modificações na legislação
tributária. O direito, inclusive o tributário, está em contínua mudança para
acompanhar a dinâmica social. Assim, ele deve se adaptar a novas modalidades de
negócios, a novas necessidades e demandas sociais. O Fisco não pode, em um
mundo cada vez mais competitivo, simplesmente dizer que determinado
procedimento ou forma de comercialização – que pode decisivo para a sobrevivência
da empresa – não pode ser implementado porque não está previsto no sistema. Ao
Fisco compete obter os recursos necessários ao financiamento do setor público,
na forma da lei, e não constituir entrave às atividades comerciais.
Vejamos
algumas situações específicas. O espaço destinado à fundamentação do ato fiscal
pode ser demasiadamente exíguo o que obriga a um laconismo que pode
caracterizar cerceamento do direito de defesa. O sistema pode não prever a
pluralidade de sujeitos passivos – responsáveis solidários e subsidiários – a estes
não será dada oportunidade de apresentar defesa administrativa o que pode
inviabilizar uma futura execução fiscal, com redirecionamento para o co-responsável.
O
que acontece é que o “sistema”, abandonado à pouca imaginação de programadores
e analistas, foi concebido muito rígido e não admite mudanças. O resultado é
que qualquer modificação implica altos custos.
É
fácil entender que os profissionais da informática projetem o “sistema” do modo
que julgam ser mais eficiente, ou seja, com o mínimo de diversidade e menor
custo. Qualquer desvio das rotinas básicas adotadas não deve ser permitido, em
nome da segurança.
Mas
isso não funciona no mundo do direito. Não podemos negar direitos fundamentais
do cidadão-contribuinte porque o “sistema” não prevê determinado procedimento.
Os direitos e garantias fundamentais, como os previstos no art. 5º da
Constituição, não podem ser negados ao cidadão por causa das insuficiências de
uma máquina mal projetada.
Com
isso, estamos constantemente sendo confrontados com o dilema eficiência vs.
legalidade. O “sistema”, do seu ponto de vista tacanho e limitado, é eficiente,
mas à custa do sacrifício de direitos fundamentais do cidadão-contribuinte. O
“sistema” e a legalidade, no atual estado das coisas, são incompatíveis. À evidência,
deve prevalecer o direito sobre o “sistema”. Em um Estado Democrático de
Direito, as leis, não o “sistema”, resultam da vontade soberana do povo.
Para
resolver o impasse, devemos procurar uma nova abordagem. Em primeiro lugar, o
reconhecimento de que analistas e programadores são incompetentes em matéria
jurídica. Em segundo lugar, falta o necessário diálogo entre os profissionais
da informática e os juristas. Não se pode deixar a tomada de decisões a cargo
dos analistas e programadores. A decisão deve ser do jurista. O profissional da
informática deve desistir da sua arrogância e reconhecer a sua subordinação ao
jurista: um deve tomar as decisões; o outro, as executar.
O
“sistema” não deve ser concebido de forma rígida, mas possibilitar a mudança,
para atender às necessidades do ordenamento jurídico. Os programas devem mais
flexíveis e adaptáveis, para atender satisfatoriamente situações concretas
impostas pela prática do direito no dia a dia.