Fabiano Ramalho
Nos últimos anos, temos
visto o surgimento por todo o país de uma nova entidade no universo do Direito
Tributário. Trata-se das Câmaras de Ética Tributária, criadas por Lei, com
atribuições específicas em matéria de direitos e deveres dos contribuintes.
Desde então, muita confusão
se faz sobre a natureza dessa entidade, resultando, muitas vezes, em perda de
efetividade e baixo índice de maturidade do órgão, provocando um lamentável
prejuízo ao sistema tributário como um todo, que poderia ter na Câmara de Ética
uma ferramenta para o seu desenvolvimento contínuo.
No geral, nos diversos
Estados da Federação, os modelos adotados pelas Câmaras de Ética pouco diferem,
mantendo sua essência de modo mais ou menos uniforme. Por isso, para esse
estudo, vamos tomar como paradigma o modelo adotado pelo legislador
catarinense.
Criada pela Lei Complementar
n° 313/2005, a Câmara de Ética Tributária do Estado de Santa Catarina veio para
compor o assim chamado “Sistema Estadual
de Ética Tributária”, para a “defesa
das relações tributárias”. Atualmente, a Câmara catarinense é composta por
14 entidades, que representam os mais diversos setores da sociedade, como
comércio, indústria, serviços, entidades de classe e setor público.
Dentre as diversas
atribuições legais previstas, consta que compete à Câmara de Ética:
“I - planejar, elaborar, propor, coordenar e
executar a política estadual de proteção ao contribuinte;
II - receber, analisar, avaliar e
encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por contribuintes ou
entidades representativas dos contribuintes;
[omissis]
IV - sugerir à Administração Tributária
procedimentos e ações tendentes a coibir práticas evasivas.”
Malgrado o fato de carecer da
melhor técnica legislativa, o texto legal aponta com razoável clareza a que se
destina a Câmara de Ética, dando os contornos daquilo que se espera seja sua
função prática. E aqui destaco o primeiro corte metodológico da nossa análise:
a Câmara de Ética nasceu para tratar de questões macro-tributárias e não micro.
Ou seja, não interessa à
Câmara advogar em defesa de determinado contribuinte ou de determinado órgão
fazendário, mas sim em prol das relações tributárias como um todo. Não lhe
interessa o singular, mas sim o plural. Não lhe interessa o litígio individual,
mas o coletivo.
Isso já responde a muitos
questionamentos que frequentemente são feitos sobre a necessidade (ou
desnecessidade) de uma Câmara de Ética para “receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou
sugestões apresentadas por contribuintes ou entidades representativas dos
contribuintes” (art. 50, II), como diz a Lei, se, para isso, já existe o
processo administrativo fiscal, com suas instâncias recursais aptas a cumprir
esse mister.
Ou ainda, para que a
existência de tal instituição com a função de “planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual de
proteção ao contribuinte” (art. 50, I), se já existem os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário que cumprem esse papel com mais força do que qualquer
outro ente público?
Percebam que existem ainda
outros questionamentos que, cada qual, fulminam a idéia de uma Câmara de Ética
voltada para os interesses individuais dos sujeitos da relação jurídico
tributária. Eis, aqui o principal obstáculo a ser superado pelas Câmaras de
Ética espalhadas pelo país, encontrar seu diferencial, segundo a dicção legal,
e poder, assim, coexistir com eficácia com os diversos instrumentos e formas de
controle fiscal existentes.
Numa visão metafórica,
poderíamos dizer que a Câmara de Ética Tributária tangencia cada um desses
instrumentos e formas de controle, emprestando-lhes substância na medida em que
se propõe ao seu aperfeiçoamento constante.
Donde surge o nosso segundo
corte metodológico: a Câmara de Ética não é uma instância de julgamento
administrativo das relações tributárias, mas sim de construção e
desenvolvimento de procedimentos e princípios aplicáveis às mesmas. É, por
assim dizer, um ambiente amplo e representativo de debate, para que possamos
encontrar hoje soluções melhores que as de ontem para os nossos problemas em
matéria de relações tributárias.
Essa é a função essencial da
Câmara de Ética e foi nesse contexto que foi criada. Sem essa correta
compreensão de seus operadores e representantes, jamais alcançará seus
objetivos, tornando-se inoperante e ineficaz.
A partir de sua larga
representatividade, a Câmara reúne as condições necessárias para encontrar
novos caminhos para o desenvolvimento e a evolução das relações tributárias,
por meio de um amálgama de saberes distintos que são próprios das experiências
individuais de cada setor da economia e da sociedade.
E é assim que, quando a lei
atribui a competência de “receber,
analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas
por contribuintes ou entidades representativas dos contribuintes”, está, na
verdade, autorizando a Câmara de Ética a promover um debate geral sobre o
conjunto dessas consultas, denúncias ou
sugestões, a fim de investigar e encontrar o ponto convergente comum entre
todas elas, como uma forma de conferir-lhe repercussão geral e, a partir daí,
formular soluções, nos termos do art.50, I, da LC. 313/2005. Isso é do que se
ocupa a Ética Tributária.
Talvez alguém me pergunte: “É
possível encontrar uma boa ética
tributária?” A resposta, por óbvio, é não. A ética, em si mesma, não é boa nem
má. Ela é apenas um caminho, dentro do qual nós pretendemos dar valor ao
sistema. Por isso, trago aqui o terceiro e último corte metodológico: Já existe
uma ética tributária em nosso sistema, e já existia mesmo antes de qualquer
Câmara de Ética ter sido criada. Mas, então, qual a necessidade de se instituir
tal Câmara?
A resposta está nas linhas
que vimos acima, ou seja, na necessidade de colocar a ética tributária em
evidência com o momento presente, de confrontá-la com os valores vigentes, de
aferir a sua eficácia diante das necessidades jurídicas atuais, de submetê-la
constantemente a um amplo ambiente de debate. É, em suma, afastar-lhe do rigor
do tempo e do peso da inércia.
É um trabalho muito mais
principiológico do que jurisdicional, revestido de uma espécie de sociologia
jurídica que investiga qual o ponto de mutação necessário para a melhoria do
sistema tributário; qual a melhor solução para caminharmos rumo a um sistema
tributário coeso, justo e eficaz, que seja a justa medida entre a necessidade
do Estado em arrecadar e a disposição do contribuinte em pagar.
Assim, estabelecidas as
premissas de um correto funcionamento das Câmaras de Ética Tributária, espero
ter contribuído para uma melhor compreensão dessa importante instituição
jurídica, que veio no contexto de um sistema de proteção das relações
tributárias que parece estar muito além do nosso tempo, daí porque a
necessidade de um esforço maior para alcançarmos sua real utilidade prática.